Renata Mendonça

Jornalista, comenta na Globo e é cofundadora do Dibradoras, canal sobre mulheres no esporte.

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Silêncio de diretores da CBF sobre caso de assédio é ensurdecedor

Segundo denúncia, funcionária da entidade era ridicularizada por Caboclo na frente dos colegas

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Imaginar um homem oferecendo biscoito de cachorro, latindo e te chamando de cadela já é uma cena um tanto quanto grotesca. Imaginar o homem mais poderoso do futebol brasileiro protagonizando essa cena com uma funcionária da entidade sob seu comando após um dia de trabalho é revoltante, vexatório, constrangedor, degradante.

Eu poderia passar esse texto todo buscando adjetivos e, ainda assim, nenhuma dessas palavras poderia resumir a violência da denúncia trazida à tona pelo primoroso trabalho de reportagem de Gabriela Moreira e Martín Fernandez, exibida no Fantástico do último domingo.

No dia 1º de junho, o presidente da CBF, Rogério Caboclo, esteve à frente do anúncio de um patrocinador exclusivo inédito para a seleção feminina de futebol. Falou-se ali em igualdade de gênero e de oportunidades para homens e mulheres.

Rogério Caboclo discursava sobre igualdade de gênero enquanto o dia a dia escancarava a realidade desigual da mulher na prática - Lucas Figueiredo/CBF

Essa palavra, igualdade, e suas derivadas são comuns nos discursos do presidente da CBF. Quando anunciou o pagamento de diárias equivalentes para as seleções masculina e feminina, Caboclo disse: “Não há mais diferença de gênero. A CBF está tratando homens e mulheres igualmente”.

Igualdade na teoria, enquanto o dia a dia escancarava a realidade desigual da mulher na prática. A subordinada, segundo a denúncia, era ridicularizada pelo superior até diante dos seus colegas, que assistiam calados às humilhações às quais ela era submetida. As “brincadeiras” do chefe constrangem, mas quem assiste prefere não se indispor com o presidente. É como se esse comportamento abusivo com mulheres “fizesse parte” do pacote.

Vieram à tona na imprensa os rumores do que acontecia na CBF, e os diretores seguiram em silêncio. Nenhuma investigação interna aberta, nenhuma atitude tomada. Eles queriam uma acusação formal, ainda que alguns já tivessem ouvido os áudios das provas. Áudios de um chefe perguntando à funcionária se ela “se masturbava”. Durante a apuração, a reportagem questionou se eles tinham noção de que, ao não tomar providências, estariam participando de uma tentativa de acobertamento de assédio. Silêncio.

Esse é o comportamento “padrão” dos homens ao presenciar comportamentos abusivos de outros homens no dia a dia. Ouvem comentários assediosos sobre colegas de trabalho e dão risada, jogam o jogo. Recebem nos grupos de WhatsApp imagens de mulheres nuas tiradas sem consentimento e fazem comentário sobre o corpo delas, não sobre a atitude deles. Calam, consentem –o abuso, a violência constante contra mulheres que estão longe de viver a “igualdade” de gênero tão repetida pelo presidente da CBF.

É triste ver o buraco em que o futebol brasileiro se afundou. Um presidente renunciou após denúncias de corrupção (Ricardo Teixeira, em 2012), outro foi condenado e preso por organização criminosa e lavagem de dinheiro (José Maria Marín, em 2018), outro foi banido do futebol pela Fifa (Marco Polo Del Nero, em 2018), e o mais recente foi afastado após as denúncias de assédio moral e sexual.

Mais triste ainda pensar que esse foi o presidente que levou as mulheres e o futebol feminino como um dos pilares de sua gestão. O departamento da modalidade na CBF está assustado com tudo o que se revelou nos últimos dias.

De tudo, vejo um lado positivo. Há algo em comum no contexto atual que levou a funcionária a fazer a denúncia e que fez o futebol feminino ser prioridade na CBF. A luta das mulheres ganhou força nos últimos tempos, e é ela que vai garantir que sigamos tendo voz –tanto para denunciar assédios contra poderosos como para trabalhar pelo desenvolvimento do futebol feminino no Brasil. Estamos mais juntas do que nunca.

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