Renata Mendonça

Jornalista, comenta na Globo e é cofundadora do Dibradoras, canal sobre mulheres no esporte.

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Renata Mendonça
Descrição de chapéu Seleção Brasileira

Seleção feminina foi a voz das mulheres sobre caso de assédio na CBF

Historicamente silenciada, equipe se posicionou ao entrar em campo com faixa de protesto

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Dizem que futebol e política não se misturam, mas quem mais faz uso desse combo é o atual presidente da República, Jair Bolsonaro. Não foram poucas as vezes que ele apareceu vestindo a camisa de algum time para cair nas graças de uma torcida —aliás, até em foto de título ele consegue aparecer, como fez com o Palmeiras campeão brasileiro de 2018.

Falando em camisa de time, não há nada mais relacionado às manifestações políticas que culminaram no impeachment de Dilma Rousseff do que a camisa da seleção brasileira. As ruas se encheram de verde e amarelo, e o uniforme dos que protestavam contra a corrupção e o PT era o da CBF. Foi quase que uma forma de “ressignificar” a camisa da seleção.

Em tempos tão polarizados, tem gente que parou de usá-la para não ser confundida com o grupo da anticorrupção seletiva. Pode me incluir nesse pacote —daqueles que não usam mais a camisa verde e amarela. A única que ainda me permito vestir é a azul, feita exclusivamente para a seleção feminina e lançada em 2020.

E, na última sexta-feira (11), foi essa a seleção que me arrepiou. Ao ouvir o hino brasileiro (outro que virou um símbolo do Bolsonarismo nestes tempos), voltei a me emocionar. Tínhamos acabado de presenciar algo histórico. As jogadoras entraram em campo para o amistoso contra o Canadá com a faixa “Assédio, não!”, cinco dias depois que o presidente da CBF, Rogério Caboclo, fora afastado do cargo por conta de uma denúncia grave de assédio moral e sexual.

Jogadoras da seleção brasileira exibem a sua mensagem - Reprodução

“Verás que um filho teu não foge à luta.”

As mulheres da seleção não fugiram. E não dá para ignorar que o contexto pesava para uma omissão. Uma jogadora da seleção feminina tem muito mais a perder se ousa não dançar conforme a música --afinal, elas já não ganham muito, o mercado ainda está em desenvolvimento e qualquer deslize pode ser fatal para arruinar uma carreira.

Historicamente, a CBF sempre ignorou e silenciou a seleção feminina. Tudo o que fazia era por obrigação –e quem reclamava acabava punida ou desconvocada.

Elas usavam os uniformes descartados pela seleção masculina e tinham de ser gratas por isso.

O valor que recebiam de diária era irrisório.

A preparação para as competições era feita na cidade que aceitasse bancar a seleção feminina por lá. Granja Comary era um sonho, um devaneio. Quando tiveram a chance de pisar lá, não tinham acesso aos principais benefícios. A academia mais moderna? Só dos homens. O campo principal? É deles também.

Quem falava alguma coisa arrumava problemas. Sissi, a maestra da nossa camisa 10 na década de 1990, foi uma que sofreu as consequências por falar demais. E foi “aposentada” da seleção antes de ter a chance de se despedir.

Na seleção masculina, é muito difícil imaginar uma coisa dessas acontecendo com um dos principais jogadores. Logo viriam os questionamentos. “Por que o fulano não está sendo convocado?” Sem a cobertura da mídia, as mulheres da seleção que ousavam falar sofriam sanções e ninguém nunca ficava sabendo.

Para uma seleção que foi sempre tão silenciada, entrar com uma faixa de protesto –que não mencionava o nome do presidente da CBF, mas dava o recado– em um amistoso transmitido na maior emissora do país é algo que vai ficar na história.

Na entrevista pós-jogo, a capitã Marta mostrou que dá para ser cuidadosa na escolha das palavras e, ao mesmo tempo, passar uma mensagem. “Somos contra qualquer tipo de assédio, sem fazer pré-julgamento. Os fatos estão aí para ser apurados, mas a gente precisava mostrar nosso posicionamento e fizemos isso em conjunto.”

O posicionamento que todo mundo sabe é esse.

O resto a gente ainda está tentando entender.

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