Renata Mendonça

Jornalista, comenta na Globo e é cofundadora do Dibradoras, canal sobre mulheres no esporte.

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Descrição de chapéu Tóquio 2020

Brasil é quem deve pedir perdão a atletas olímpicos

Esportistas como Bia Ferreira se desculparam, mas somos nós que estamos em débito

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“Desculpa, pai, desculpa, Brasil.” A frase foi da boxeadora Bia Ferreira, que, derrotada na luta final do peso leve nos Jogos Olímpicos de Tóquio, conquistou a medalha de prata.

Ela não foi a única. O discurso recorrente dos atletas brasileiros após a competição era este: “desculpa”. Tão comum que até mesmo medalhistas olímpicos, como Bia, aparentemente se sentiam no dever de pedir perdão por não terem sido os melhores, por terem supostamente “falhado” e ficado “só” com a prata.

Somos nós que devemos desculpas a todos esses atletas. Somos nós, como país, que estamos em dívida com eles, que conquistaram o melhor resultado do Brasil nos Jogos Olímpicos após terem passado por um ano de cortes de investimento do governo federal e incertezas.

Vale fazer uma ressalva: não é fácil ter que “falar alguma coisa” no minuto seguinte à sua performance no maior evento esportivo do mundo. Você acaba de ficar fora de uma final e precisa falar sobre isso num microfone para o país inteiro. O formato pensado para a cobertura dos veículos detentores de direito nos Jogos Olímpicos me parece cruel com os atletas.

É quase que imediato: quando o atleta termina de competir, praticamente a primeira coisa que precisa fazer é falar com a imprensa. É muito difícil saber o que dizer ali, especialmente depois de uma dolorosa derrota ou de um desempenho abaixo do esperado.

Nessa pressão de “ter o que dizer” quando é difícil encontrar palavras, a gente vê muito choro e pedidos de desculpas. É o atleta tentando “se explicar”, justificar para milhões de brasileiros por que ele não foi o melhor do mundo ali. Como se a única possibilidade fosse essa: ser o melhor e ponto.

Mas a lógica está completamente invertida. Nós vivemos em um país que demonstra ser uma potência esportiva, que tem resultados que comprovam isso, mas distribui migalhas aos atletas de alto rendimento e em troca quer medalhas de ouro.

Chega a ser risível o governo federal celebrando e “se gabando” do melhor resultado brasileiro da história dos Jogos Olímpicos. O mesmo governo federal que fez manobras para cortar a verba do Bolsa Atleta em mais de R$ 40 milhões de 2020 para 2021 (o programa custou aos cofres públicos R$ 140 milhões no ano passado e passou a custar R$ 97,6 milhões neste ano).

Sem o lançamento do edital de 2020, os atletas ficaram sem receber por alguns meses, gerando a redução de gastos com o programa. Ouvimos declarações de atletas que receberam apenas duas parcelas do benefício neste ano (lembrando que estamos no oitavo mês de 2021).

Segundo levantamento realizado pelo ge.globo, dos 309 atletas brasileiros que foram para Tóquio, 25% nem sequer recebem do programa Bolsa Atleta. Ainda desse número total, 42% não têm nenhum patrocínio. E mais de 10% deles não conseguem viver do esporte e precisam conciliar os treinos com outra profissão, como motorista de aplicativo.

Para citar um exemplo, Matheus Corrêa, da marcha atlética, ficou três meses sem receber do Bolsa Atleta por conta da modificação feita pelo governo no programa e precisou trabalhar fazendo frete, entregando móveis e eletrodomésticos, para sobreviver.

Seja pela falta de investimento do governo, seja pela falta de atenção dos patrocinadores, ou pelo descaso de clubes e confederações, a verdade é que o atleta brasileiro já faz muito pelo país ao conseguir ser um atleta olímpico.

Chegar aos Jogos em situações tão adversas como essas já é uma grande conquista. A melhor resposta deles após a competição deveria ser: “de nada”. Cabe a nós, como país, agradecer pelo tanto que fazem e pedir desculpas. A culpa é toda nossa.

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