Renata Mendonça

Jornalista, comenta na Globo e é cofundadora do Dibradoras, canal sobre mulheres no esporte.

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Renata Mendonça
Descrição de chapéu Tóquio 2020

Fora das Olimpíadas, Brasil não precisa de medalha para construir futuro no futebol feminino

Antes do pódio, premissa básica para se desenvolver um esporte é investir na base

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Há uma lógica muito esquisita que parece reger o esporte brasileiro desde os primórdios. Aquela de que “é preciso conseguir uma medalha para que o investimento venha”. Mas como é possível conseguir uma medalha olímpica sem que tenha existido qualquer investimento naquele esporte antes?

Na maioria das vezes, a frustração é dupla, porque não só o atleta precisa tirar leite de pedra para conseguir uma medalha olímpica sem ter recebido apoio antes, como ele também segue sem apoio depois da conquista. O Brasil nunca foi o país do esporte, a gente sabe disso, mas parece que de quatro em quatro anos queremos colher os frutos daquilo que não plantamos.

Até algum tempo atrás, havia uma ou outra medalha que saía “ao acaso” nos Jogos Olímpicos. O Brasil foi prata duas vezes no futebol feminino, por exemplo, num tempo em que nem sequer havia campeonato para as mulheres jogarem. Mas era uma época em que a modalidade estava incipiente em todos os lugares. E aí “só” o talento ainda poderia sobressair —e talento no futebol nunca nos faltou.

Mas isso ficou no passado. Hoje, se não houver trabalho sério, é muito difícil ver só o talento garantir um pódio olímpico. E trabalho leva tempo, investir em estrutura, base, campeonatos, nada disso acontece do dia para a noite. O resultado (a medalha) é consequência desse processo. Não pode ser o começo nem deve ser o fim, tem que ser apenas parte do processo de desenvolver aquele esporte verdadeiramente no país.

A ginástica artística é um ótimo exemplo disso. Há 25 anos, o Brasil tinha uma atleta classificada para os Jogos Olímpicos na modalidade. Em 2004, pela primeira vez, uma equipe feminina inteira se classificou. O sucesso das primeiras levou a mais investimento, inspirou mais meninas a apostarem nesse esporte, gerou mais talentos, e o resultado veio.

No futebol, tem quem chame as mulheres de “amarelonas” na Olimpíada. A eliminação desta vez foi dolorida nas quartas de final porque era um jogo que tínhamos totais condições de ganhar. Não jogamos tudo o que podíamos, e vale contestar algumas decisões da treinadora.

Mas isso é só uma parte do que explica o Brasil estar há 13 anos sem medalhas no futebol feminino em Jogos Olímpicos. E enquanto a outra parte não for resolvida, não será possível ignorá-la.

A premissa básica para se desenvolver um esporte é investir na base. O Brasil ficou sem técnico nas seleções sub-17 e sub-20 por um ano entre 2018 e 2019. O primeiro torneio nacional de base entre as mulheres foi realizado em 2019. Antes disso, a menina que queria jogar futebol no Brasil tinha duas opções: ser aceita num time de meninos ou desistir.

Um estudo divulgado pela Fifa em 2019 trouxe o seguinte diagnóstico: o Brasil tinha 15 mil mulheres jogando futebol (em campeonatos, clubes) e apenas 475 meninas abaixo de 18 anos nas mesmas condições.

Vamos aos números do mesmo estudo sobre os quatro semifinalistas olímpicos: Canadá tinha 290 mil mulheres praticando a modalidade, e 246 mil meninas abaixo dos 18. Austrália: 141 mil mulheres, 84,9 mil meninas abaixo dos 18. Suécia: 198 mil mulheres, 87 mil meninas abaixo dos 18.

Estados Unidos: 9,5 milhões de mulheres, 1,5 milhão de meninas abaixo dos 18.

O que acontece em 90 minutos é detalhe. O que acontece fora deles é que faz a diferença. A análise teria de ser a mesma se o Brasil conseguisse uma medalha no futebol feminino em Tóquio. Porque o futuro do futebol para as mulheres aqui não vai ser feito com medalha, vai ser feito com trabalho —esse começou há dois anos só. Mas, desta vez, não perderemos por esperar. O pódio olímpico vai vir e vai ser frequente.

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