Renata Mendonça

Jornalista, comenta na Globo e é cofundadora do Dibradoras, canal sobre mulheres no esporte.

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Renata Mendonça
Descrição de chapéu Tóquio 2020

Paralimpíadas nos ensinam a enxergar o que o preconceito sempre ofuscou

O que você vê quando se depara com uma pessoa em cadeira de rodas?

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Os Jogos Paralímpicos de Tóquio começam nesta semana e são um grande convite para treinarmos o nosso olhar para enxergar aquilo que o preconceito (e não a deficiência) sempre cegou.

O que você vê quando se depara com uma pessoa com cadeira de rodas, sem os braços, ou sem uma perna? À primeira vista, nosso cérebro tenta associar essas características com “incapacidade”. São pessoas que precisam de ajuda.

Nos Jogos Paralímpicos do Rio de Janeiro, trabalhei na cobertura da BBC e vi que essa “primeira impressão” não poderia estar mais equivocada. Na própria equipe de jornalistas e ex-atletas que estavam comigo, muitos deles tinham alguma deficiência. Lembro-me muito de reparar em um dos meus colegas mais simpáticos na mesa do café da manhã do hotel. Ele não tinha os braços. E era capaz de fazer o mesmo trabalho que eu fazia. Produzir matérias, participar das transmissões, enfim, trabalhou na cobertura tanto ou mais que eu.

Meu primeiro olhar foi de desconfiança: como será que ele vai conseguir comer? Como ele faz para trabalhar? E, da maneira mais natural do mundo, ele me ensinou que nós apenas tínhamos características físicas diferentes –eu tinha os braços, ele, não. Como alguém que passou boa parte da vida assim, ele se adaptou, aprendeu a fazer as coisas com o corpo que tinha e me deu ali uma bela lição: não sou eu quem deve dizer o que pessoas como ele são ou não capazes de fazer.

Mas eu e todos nós, como sociedade, precisamos pensar em como facilitar a vida de pessoas que têm características diferentes das nossas. No Rio-2016, lembro que liguei para alguns restaurantes da cidade para checar se havia acessibilidade para pessoas que usavam cadeira de rodas. Eu não deveria precisar fazer isso, porque está na lei que todo estabelecimento deve ser acessível a todos. Mas, como eu previa, os problemas existiam em todos os lugares.

Diziam que, claro, tinha, sim, acessibilidade, mas depois ligavam de volta explicando que, olha, tem um degrauzinho só na entrada, mas é tranquilo, a gente ajuda. E que uma das barras de apoio do banheiro estava quebrada. Conversei com uma medalhista paralímpica do remo que se hospedou em um hotel em Ipanema, obviamente pedindo um quarto com acessibilidade quando fez a reserva, e, quando foi ver, não conseguia entrar no banheiro com sua cadeira.

Ouvi de outro atleta paralímpico na época uma coisa que me fez pensar: se as rampas garantem acesso de todo o mundo (pessoas com e sem deficiência), por que não fazem só rampas? Parece simples –e talvez realmente seja.

Outro relato que me chamou a atenção naquela cobertura foi a quantidade de atletas paralímpicos que buscavam empregos (porque não conseguiam viver só do esporte) e muitas vezes eram rejeitados antes mesmo da entrevista ao revelar sua deficiência. Ali, de novo, ser uma pessoa com deficiência significava, para aquele empregador, ser incapaz.

A cobertura dos Jogos Paralímpicos do Rio me ensinou que, se a gente pudesse conviver diariamente com pessoas com deficiência, seríamos capazes de enxergar o que os nossos olhos hoje não veem. Quando eu andava pelo Parque Paralímpico e via ali todos os tipos de gente, com cadeira de rodas ou sem, com dois braços ou um só, com duas pernas ou uma mecânica, enfim, com as características que podem nos fazer diferentes, mas não nos fazem menos humanos, dava pra entender que o mundo poderia ser um lugar muito melhor se fosse exatamente assim: acessível para todos.

Como bem disse a medalhista paralímpica do atletismo Verônica Hipólito, a gente precisa aprender a olhar a EFICIÊNCIA, e não a deficiência. Vale para o esporte e para a vida.

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