Renata Mendonça

Jornalista, comenta na Globo e é cofundadora do Dibradoras, canal sobre mulheres no esporte.

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Globo vai estrear narradora e o futebol terá novas referências para meninas

Narradores que embalaram os momentos de alegria e tristeza das últimas décadas foram todos homens

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Revirando as memórias, a mais antiga que tenho no futebol são flashes da Copa do Mundo de 1994. Eu tinha cinco anos. Lembro do Bebeto comemorando gol com gesto de embalar bebê, Romário ao lado, Dunga levantando a taça e tudo ao som de "acabou, acabou, é tetra", de Galvão Bueno.

As lembranças do penta têm mais detalhes. Lembro de estar deitada no chão da sala às 3h da manhã no auge da adolescência sofrendo com os lances de Brasil x Inglaterra e gritando com o golaço de falta do Ronaldinho Gaúcho. Tudo terminou com Cafu 100% Jardim Irene também na voz do Galvão.

Do meu time, as memórias têm as vozes de Milton Leite, Cléber Machado, Paulo Soares e eu poderia lembrar aqui mais uma dezena, talvez, de narradores que embalaram os momentos de alegria e tristeza das últimas décadas.

Para todas essas referências de dentro e fora de campo, algo em comum: são todos homens. Eu não me lembro de ter visto sequer um jogo de futebol feminino em toda a minha infância. Não consigo recordar nenhuma voz feminina narrando lances de uma partida enquanto eu seguia me apaixonando pelo jogo que não me pertencia.

Acho que muitas mulheres vão se identificar com o que vou dizer agora. Eu não me reconhecia como menina no futebol. Pelo contrário, eu me reconhecia como um deles. Queria me comportar como um deles. Queria passar despercebida. E aí quando ouvia "nossa, você entende mesmo de futebol, nem parece uma menina falando", eu ficava feliz. Não queria parecer uma menina, porque meninas não pertenciam àquele universo.

Percebem o que nos foi forjado? Uma vida inteira achando que estranhas éramos nós que queríamos jogar, torcer, comentar futebol. Hoje, eu sei que estranho é o mundo que não aceita garotas no jogo. Que proíbe meninas de disputarem campeonatos na infância. Que acha que gostar de boneca ou de bola depende do gênero, e não do incentivo.

Sinceramente, eu não sei como eu vim parar nessa área. Sem conhecer absolutamente nenhuma referência feminina em toda a infância, eu me apaixonei pelo futebol daquele jeito dele todo torto, todo machista, homofóbico, que se recusava a me aceitar como parte e me obrigava a disfarçar para passar incólume.

O primeiro jogo de futebol feminino que surge na minha memória é a final do Pan-Americano de 2007, quando eu já estava na faculdade. Minhas referências femininas no campo e fora dele só me foram apresentadas já na vida profissional, na última década.

A Narradora Renata Silveira será a voz das partidas da Supercopa do Brasil feminina
A Narradora Renata Silveira será a voz das partidas da Supercopa do Brasil feminina - João Cotta/Globo

Aí quando vejo a notícia de que a Globo vai transmitir pela primeira vez uma competição oficial feminina de clubes (a Supercopa do Brasil, agora em fevereiro) e que vai estrear uma narradora pela primeira vez em mais de 50 anos de história da emissora (Renata Silveira vai narrar jogos do torneio na TV aberta), os olhos enchem de lágrimas.

Se eu e tantas de nós crescemos apaixonadas por esse jogo mesmo com tudo jogando contra, mesmo com o mundo dizendo que esse não era nosso lugar, imagina como vai vir a nova geração de meninas, essas que vão ligar a televisão num domingo e na hora vão se enxergar ali, no campo, fora dele, na cabine de transmissão e na arquibancada?

Lembro que não faz muito tempo, em 2015, quando eu soube que existia um Campeonato Brasileiro feminino, fui buscar informações dos jogos para assistir e descobri que eles não eram transmitidos. Mal saíam os resultados na tabela publicada no site da CBF.

Sete anos depois, há jogos de futebol feminino quase que semanalmente na TV aberta, fechada, em mais de um canal. Elas finalmente viraram protagonistas do jogo. O impacto dessa mudança a gente só vai entender no futuro. Enquanto isso, deixa a menina jogar.

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