Renata Mendonça

Jornalista, comenta na Globo e é cofundadora do Dibradoras, canal sobre mulheres no esporte.

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Emoção de Fred mostra que ídolos são raros, mas existem

E não só no futebol; precisamos contar histórias como a de Ana Marcela Cunha

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Não sou torcedora do Fluminense, mas já vi, revi e até chorei com as imagens do gol 199 marcado por Fred com a camisa tricolor no Maracanã no último sábado. A forma como a expressão do rosto dele vai da explosão de alegria às lágrimas genuínas da emoção que aquele momento representava é a síntese do que buscamos em um ídolo de qualquer esporte: conexão.

A imagem que vimos no Maracanã no sábado foi tão bonita quanto é rara hoje em dia. Vai parecer saudosista dizer que "não se fazem mais ídolos como antigamente", mas a verdade é que não se fazem. Primeiro porque, no Brasil, nossa idolatria parece estar quase que restrita ao futebol. Não temos olhos para outros esportes e vivemos buscando que os jogadores de hoje correspondam às expectativas criadas por ídolos do passado.

Fred vai ao encontro dos fãs ao fim de jornada emocionante - Sergio Moraes - 2.jul.22/Reuters

Na última semana, Ana Marcela Cunha, supercampeã da maratona aquática, levantou essa discussão e me fez refletir. Após conquistar sua terceira medalha nesta edição do Mundial (foi ouro nos 5 km e 25 km e bronze nos 10 km), ela afirmou que o Brasil é um país "carente de ídolos" e que muitas vezes se esquece de olhar para os esportes olímpicos na construção das suas referências.

"Até outro dia estava vendo numa rede social as pessoas me comparando com Pelé, com Senna, e eu estava conversando com a minha namorada outro dia: eu não quero ser comparada com ninguém, eu só quero escrever minha história", disse em entrevista ao SporTV.

"Nosso país é carente de ídolos, a gente vê tudo ‘futebol, futebol, futebol’. E existem outros esportes, existem os esportes olímpicos, existem os esportes que precisam de ajuda, então é isso, a gente faz a nossa própria história."

Eu apostaria que muitos brasileiros aqui não sabem quem é Ana Marcela Cunha, uma das maiores atletas da história do esporte por aqui. Ela tem 15 medalhas em Mundiais. Disputou sua primeira edição olímpica em 2008, aos 16 anos, quando conquistou o quinto lugar. Em 2021, exatos 13 anos depois, finalmente conquistou sua primeira medalha –e logo um ouro. Aos 30 anos, ela continua hegemônica na modalidade e nunca passou um Mundial de esportes aquáticos desde 2010 sem levar ao menos uma medalha.

Uma carreira tão vitoriosa como essa deveria ser suficiente para que Ana Marcela fosse um ídolo absoluto do nosso esporte. Mas a história dela, infelizmente, quase não é contada.

Se tentássemos estabelecer critérios (ainda que eu deva admitir que esses são muito subjetivos) para a formação de um ídolo em qualquer esporte, talvez pudéssemos chegar a dois pontos em comum: 1) títulos/conquistas relevantes na modalidade; 2) tempo no topo. Há ainda um terceiro, que é um pouco relativo, mas considero importante para separar atletas vencedores dos verdadeiros ídolos: a forma como consegue ser referência para além dos feitos que conseguiram no esporte.

Não há dúvidas de que Ana Marcela cumpra os dois primeiros requisitos com sobras. E o terceiro… Bom, talvez se falássemos mais sobre ela, poderíamos torná-la uma referência muito maior para as meninas que, muitas vezes, ainda não enxergam o esporte como um lugar "delas".

O que faz um ídolo também é a maneira como contamos sua história. Aliás, o mínimo que precisamos fazer é contá-la.

Ana Marcela Cunha exibe sua mais recente medalha de ouro - Lisa Leutner - 30.jun.22/Reuters

A imagem de crianças que provavelmente pouco viram o auge de Fred jogando no Fluminense (entre 2009 e 2012) emocionando-se com ele no estádio mostra a importância de construir referências no esporte.

E, nesse caso, não precisa haver competição. O futebol é o esporte mais popular do mundo, e é natural que nossas conexões de idolatria aconteçam com ele. Mas podemos também valorizar os feitos de outras modalidades. Precisamos crescer com mais referências. Referências de outros esportes. Referências femininas. Histórias como a de Ana Marcela Cunha precisam ser contadas.

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