Renato Terra

Roteirista e autor de “Diário da Dilma”. Dirigiu o documentário “Uma Noite em 67”.

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Renato Terra

Merda

É tristemente atual a carta de um dentista que celebra a censura a Caetano Veloso

trecho de carta escrita em 1986 sobre censura a música de Caetano Veloso
Trecho de carta escrita em 1986 sobre censura à música de Caetano Veloso - Reprodução

No dia 28 de abril de 1986, o chefe do Serviço da Divisão de Censura de Diversões Públicas, Luiz Mauro Giestas, enviou a canção “Merda”, de Caetano Veloso, para análise dos censores.

O documento, encontrado pelo pesquisador Lucas Pedretti, revela que Caetano fez uma observação ao submeter a música: “‘Merda’  é uma expressão habitual que todos os atores utilizam antes de entrar em cena. É uma tradição que já vem de séculos passados e quer dizer ‘Boa sorte!!’”.

Os primeiros censores aprovaram a música. Giestas, no entanto, ressaltou que o dicionário Aurélio versava apenas sobre o significado “chulo” da expressão. Diante desse argumento, a música foi liberada para ser gravada e executada em shows, “com restrição apenas à radiofusão (TV)”.

O episódio inspirou um cirurgião dentista mineiro, cujo nome vou preservar, a escrever a seguinte carta para o diretor do Serviço da Divisão de Censura de Diversões Públicas. (Esta carta também foi encontrada pelo pesquisador Lucas Pedretti).

“Acabo de ler num dos periódicos da capital a proibição da música ‘Merda para você em tudo o que você fizer’.

Louvo a sua atitude e sinto que penalidade de tal envergadura não se estenda a outros setores da comunicação de massa. São jornais, revistas, rádios que constantemente nos agridem com mensagens mal redigidas, cenas pornográficas, músicas de dúbias interpretações, gírias, enfim, uma enxurrada de mensagens perniciosas.

Veja, por exemplo, o caso das novelas: há separações de casais, cenas de sexos (sic), para não falar no péssimo palavriado (sic), em que o desrespeito à gramática é patente.

No tocante às músicas é a mesma coisa. Outro dia, vi um grupo na TV. Lançando uma música cujo título é ‘Eu te amo você’.

Deveria haver leis de censura para coibir tais abusos”.

A carta continua, mas gostaria de destacar um trecho da resposta que os censores enviaram ao cirurgião dentista: “Compreendemos o seu zelo na defesa dos valores que norteiam nossa sociedade. Sua preocupação com a pureza vernacular do nosso idioma é partilhada por muitos, mas, infelizmente, não nos compete tal atribuição”.

Roteirista e autor de “Diário da Dilma”. Dirigiu o documentário “Uma Noite em 67

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