O inspetor voltou a olhar para o processo.
— Importa-se que lhe faça algumas perguntas?
— Exijo saber de que é que sou acusado.
— Calma, já lá vamos. É ou não verdade que esteve de férias em Paris entre 20 e 25 de março?
— Quem é que me denunciou?
— O seu Instagram.
— Ah.
— Bonitas fotos. Nesta, parece mesmo que está a pegar no topo da torre Eiffel com o polegar e o indicador. Um clássico. A sua mulher enquadrou bem.
— Como é que sabe que foi ela que tirou a fotografia? Vocês têm agentes em França?
— Não, vimos no Twitter dela. Que tal os escargots no restaurante dos Champs Élysées?
— Não tem nada com isso.
— Já vi. Estavam bons. Deu-lhes cinco estrelas na página de Facebook do restaurante. A sua colega Vânia gostou das flores?
— Que flores?
— As que lhe comprou ontem antes de se encontrar com ela naquele hotel.
— Quem me viu?
— Ninguém. O sinal do seu smartphone indica que foi à florista antes de passar duas horas e meia com a Vânia no Holiday Inn. Parabéns. Duas horas e meia, na sua idade, é bastante bom.
— Vai dizer de que é que me acusam, ou não?
— Sim. O senhor não aproveitou esta promoção de bebidas energéticas que o Google lhe apresentou quando fez uma pesquisa sobre academias em São Paulo. Isto é um crime. O pack de seis latas estava com um desconto de 50%. Nem clicou no link. Como explica isto?
— Talvez estivesse distraído.
— Pouco provável. O senhor tem tomado a horas os seus comprimidos de magnésio para melhorar a memória e a concentração.
— Como é que sabe?
— Tem um app no celular para o lembrar disso todos os dias às dez da manhã.
— Isto é uma vergonha. O que é que me impede de lhe dar um soco e sair daqui?
— A sua personalidade. No passatempo "Descubra quem você seria na série La Casa de Papel" calhou-lhe o Rio, que é a personagem mais dócil. O banheiro é a segunda porta à esquerda.
— Como é que sabe que eu quero ir ao banheiro?
— Há duas horas bebeu três chopes num bar com os seus amigos Mauro e Anderson. Na altura, estava a sentir-se eufórico. Quando voltar, vamos discutir o seu sentido de voto nas próximas eleições.
— Eu ainda não decidi.
— Mas eu já, não se preocupe.
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