Ricardo Araújo Pereira

Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

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Ricardo Araújo Pereira

A gente quer ver malandragem na seleção brasileira

São só 11 garotos, e o que a gente lhes pede é desumano

Lisboa

Às vítimas dos dribles de Garrincha chamavam João. Disse vítimas porque é isso que um João é: vítima de um engano, de uma burla.

O joanismo (a volúpia de fazer dos adversários joões) passou a ser um atributo do futebol brasileiro --e, por isso, do futebol.

Claro que é possível jogar, e até ganhar, desjoanadamente. Mas que graça tem isso? O verdadeiro futebol é o que divide o mundo entre malandros e joões.

Fazer gols é importante, ganhar é fundamental --mas ganhar sem joanismo, como costuma fazer a Alemanha, não é exatamente futebol. É uma modalidade muito parecida, mas menos excitante, menos viva, menos alegre.

O mundo conta com o Brasil para jogar o melhor futebol joanista. Em 1970 houve joanismo. Segundos antes do gol de Carlos Alberto, Clodoaldo fez quatro joões italianos. Quatro giovannis, portanto. O gol podia esperar: antes, havia um, dois, três, quatro joões para fazer.

Muito joanismo em 82. Foi a tragédia dos mundiais: ainda hoje, torcedores de todos os países, não apenas brasileiros, lamentam que uma das seleções mais joanistas de sempre tivesse perdido.

Em 94, o único caso em que o Brasil ganhou quase sem joanismo. Mas, em 2002, o joanismo voltou.

Neste domingo (17), o mundo viu o Brasil x Suíça para, como sempre, tentar avaliar o grau de joanismo do escrete. A gente sabe que não é fácil. São só 11 garotos, e o que a gente lhes pede é desumano.

A culpa é das camisetas. São iguais ao que sempre foram, têm os números que sempre tiveram, e a gente exige que se movam da mesma forma. Ou seja, o Marcelo tem de ser Marcelo mas também tem de ser Roberto Carlos, e Júnior. Coutinho tem de ser Coutinho e ainda Sócrates, e Ronaldinho, e Zico, e Gérson. E Neymar tem de ser Neymar, Ronaldo, Romário, Pelé. Na verdade, é pior que isso: ele tem de ser a nossa memória do Pelé. Ora, nem o Pelé consegue ser a nossa memória do Pelé.

É muita responsabilidade --e malandro e responsabilidade não combinam. Alguém tem de aliviar o peso. O Tite que exija pelo menos uma pedalada a cada dez minutos, um elástico de meia em meia hora, uma sainha jogada sim jogada não.

A gente quer ver malandragem. No próximo dia 22, tem de ser Brasil contra os onze juans da Costa Rica.

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