Ricardo Araújo Pereira

Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

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Ricardo Araújo Pereira
Descrição de chapéu Copa do Mundo

Quatro anos à espera

Esta é altura do ano em que insensíveis vão nos ridicularizar por assistir a um Panamá-Tunísia

Jogadores Édgar Bárcenas, Luis Tejada e Román Torres, da seleção do Panamá, treinam em Saransk, na Rússia
Jogadores Édgar Bárcenas, Luis Tejada e Román Torres, da seleção do Panamá, treinam em Saransk, na Rússia - Juan Barreto - 8.jun.2018/AFP

Vai começar a Copa do Mundo, e torcedores de todos os países terão de suportar um mês de recriminações vindas de gente que não gosta de futebol. 

Há uma personagem de uma peça de um dramaturgo (perdoem-me por ser tão específico, sei bem que este meu maldito rigor intelectual consegue ser aborrecido) que diz tudo sobre quem desdenha do futebol. Cito (mais ou menos):

“Dizer que são 22 homens a correr atrás de uma bola equivale a dizer que um violino é um pedaço de madeira, ou que o Hamlet é um monte de folhas com tinta.”

São palavras sábias que continuam a merecer reflexão, uma vez que o preconceito persiste. Um torcedor do Real Madrid chamado Javier Marías disse que o futebol é a recuperação semanal da infância. No que toca à Copa do Mundo, é quadrienal. Deixem-nos ser crianças durante o próximo mês. A gente já volta.

Mas esta é a altura do ano em que pessoas insensíveis vão tentar fazer-nos sentir ridículos por estarmos a assistir a um Panamá-Tunísia.

Essas pessoas não sabem nada da vida. Não sabem que teremos de esperar outros quatro anos pela próxima Copa, e que queremos aproveitar todos os segundos desta. Não sabem que, muitas vezes, a beleza e o drama estão tanto ou mais no Panamá-Tunísia do que no Brasil-França, ou no Alemanha-Argentina. Nunca ouviram falar do gol de Manuel Negrete, em 86, no México-Bulgária. Nem do gol de Saeed Al-Owairan, em 94, no Arábia Saudita-Bélgica.

É gente que nem sequer trata os jogadores pelo seu nome completo. Por isso, claro, são selvagens sem cultura suficiente para apreciar o Panamá-Tunísia, em que estarão frente a frente a pátria do antigo craque Júlio César Dely Valdés, e os tunisianos, que foram a primeira seleção africana a vencer uma partida de Copa do Mundo, em 1978.

Esta é a quinta participação da Tunísia, que aliás já se apresentou na Copa com jogadores como Clayton e Francileudo Santos, dois tunisianos nascidos no Maranhão. Quem precisa de mais motivos para assistir a estas partidas?

Quem não quer ver o desempenho do panamenho Édgar Bárcenas, que acaba de se transferir para o Tijuana após uma época de sonho no Cafetaleros de Tapachula, onde foi campeão? Só gente sem sentimentos, mesmo.

Irei para a Rússia a serviço da Folha de S.Paulo. E, como é óbvio, já tenho ingresso para o Panamá-Tunísia.

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