Ricardo Araújo Pereira

Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

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Ricardo Araújo Pereira

Demonstrar cientificamente a inutilidade da ciência

Não descobrem as criaturas verdes, mas sim a muito prosaica água em Marte

Amigos, temos de falar sobre a ciência. Muito importante, e tal, avanços tecnológicos incríveis. Certo. Mas também não é isso tudo.

Quem estudou outras coisas, como eu, passou a vida a ouvir falar da superioridade das ciências exatas. A complexidade das fórmulas, os laboratórios solenes e cheios de vidrinhos, as batas brancas impecáveis.

Mas calma: é preciso não esquecer que todo o mundo parece inteligente vestido com uma bata branca. Assim é fácil. Difícil é parecer inteligente vestido de palhaço. E algumas descobertas têm sido uma desilusão.

Na última semana, cientistas revelaram que há água em Marte. Que eu tenha dado por isso, já é a terceira vez que revelam. Só na Folha encontrei os textos "Cientista brasileiro confirma existência de água em Marte", de setembro de 2008, "Marte possui água abundante e acessível", de maio de 2002, e "Efeito estufa fez Marte manter água", de novembro de 1997.

Ilustração
Luiza Pannunzio/Folhapress

Seria importante que os cientistas percebessem a diferença entre a ciência e o rock.

O povo vai a um concerto e pede para tocarem uma música que já ouviu vezes sem conta. Mas os fãs de ciência não gritam "anuncia-me novamente a presença de água no planeta vermelho! Foi um êxito tão grande que quero ouvir de novo".

Tudo bem, Marte tem água. Ouvimos à primeira. E, permitam-me que fale em nome de todos, não ficamos muito impressionados. "Marte tem gim tônica" seria uma descoberta notável. Água, nem tanto.

O nosso planeta, recordo, também tem. Receio até que a descoberta de mares noutros planetas não provoque nos humanos mais do que o pensamento: "Olha que lugar ótimo para vazar lixo", como é costume fazermos aqui.

Sobretudo, há um problema grave de expectativa. Na infância, prometeram-nos criaturas verdes em Marte. Depois a gente cresce e os cientistas não descobrem criaturas verdes mas sim a muito prosaica água. Onde estão as criaturas verdes? Afinal, provavelmente, era musgo. Não era bem a criatura verde extraterrestre que esperávamos. Foi publicidade enganosa.

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