Ricardo Araújo Pereira

Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

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Ricardo Araújo Pereira

Influencers na minha cabeça

Eles funcionam como aquelas vozes; mas, por ora, só estimulam o consumo

O ser humano é peculiar. Eu sei porque sou um, a maior parte do tempo. Sempre que um maluco ouve vozes na cabeça, elas dizem-lhe para fazer alguma coisa estúpida. Nunca ninguém ouviu vozes sensatas ou bondosas na cabeça.

— Por que é que o senhor doou R$ 1 milhão a esta instituição de solidariedade social?

— Eu não queria, mas vozes na minha cabeça mandaram.

Nunca aconteceu. Coisas bem feitas somos nós que fazemos; coisas estúpidas não são responsabilidade nossa. Com a sorte e o azar é parecido. Temos um azar: por que eu? Temos sorte: silêncio. Nenhuma dúvida, nenhuma surpresa, nenhum "por que, meu Deus?"

Ilustração
Luiza Pannunzio/Folhapress

Dizem-me que agora há uma profissão chamada influencer. Funciona como as vozes na cabeça, mas, pelo menos por enquanto, pretende apenas acicatar o consumo. Sugerir que você compre esta bebida, frequente aquela academia, calce determinado sapato. São os antigos comerciais da televisão, mas agora mais modernos, porque são feitos por pessoas cuja profissão tem o nome em estrangeiro. E, não sei por que, costuma envolver o jogo da velha. Depois de revelar que é um consumidor feliz de determinado produto, o influencer diz coisas precedidas pelo jogo da velha: #bonsmomentos, #olhasóquemaravilha, #nãoseiseaguentotantafelicidade etc.

A profissão de influencer levanta, contudo, um problema de filosofia da linguagem. Exercer influência sobre outros é uma coisa que se faz, não uma coisa que se diz. É como, por exemplo, a sedução. "Eu agora estou a seduzir-te muito com este meu sensacional encanto" não seduz ninguém. Anunciar "vou seduzir-te" costuma inviabilizar a sedução. O encanto precisa de ser demonstrado com palavras, mas não enunciado.

Ora, o requisito prévio para influenciar pessoas costumava ser omitir o fato de estarmos a tentar influenciá-las. Quando uma pessoa desconfiava que estavam a querer influenciá-la, resistia a ser influenciada. Ser influenciável não era exatamente uma qualidade.

Portanto chamar a uma profissão influencer não parece ser boa ideia. É o mesmo que identificar-se como "explorador de marias-vão-com-as-outras", mas em inglês. É como colocar no cartão de visita: espertalhão que manobra pessoas no sentido de fazerem o que ele quer. Futuras profissões como manipulators, condicionators e dissimulators deveriam ter isto em consideração.

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