Ricardo Araújo Pereira

Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

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Ricardo Araújo Pereira

E no entanto

Embora só haja registro de uma teoria após a queda de uma maçã, existe outra

A descoberta da gravidade foi um esforço conjunto de Isaac Newton e de uma macieira. Podemos discutir a percentagem de responsabilidade que cada um teve na descoberta, mas não podemos negar a participação fundamental de ambos.

Sem a macieira, que deixou cair a maçã na cabeça de Newton, a descoberta não teria ocorrido. Mas sem Newton também não. Imagino que muitos milhares de pessoas, antes de Newton, tenham levado com fruta madura na cabeça. Nenhuma outra se lembrou de formular uma teoria --ou, pelo menos, uma teoria científica.

Uma vez, tal como Isaac Newton, também eu estava cochilando sob uma macieira. E uma maçã também me caiu na cabeça. Posso afirmar, com orgulho, que formulei uma teoria (até hoje desconhecida): a de que talvez fosse engraçado pegar naquela mesma maçã e acertar com ela na testa do meu primo Carlos. Minutos depois, verifiquei a teoria: foi, de fato, engraçado. Embora o mundo só tenha registrado uma teoria bem-sucedida enunciada na sequência da queda de uma maçã, já houve pelo menos duas.

Mas a grande figura da ciência que mais se parece comigo é Galileu Galilei. A maior lição que Galileu deixou à humanidade não foi científica. Certo, a Terra anda à volta do Sol, mas isso já Copérnico tinha dito.

O que Galileu nos ensinou foi a calar a boca. E esse é o ensinamento mais precioso de todos. A Inquisição obrigou-o a desmentir a sua descoberta e a negar que a Terra se movesse. Galileu sabia que tinha razão, mas fez o que lhe pediam e depois resmungou para si: "E no entanto ela move-se".

Todas as minhas discussões conjugais seguem esse modelo. Quando discutimos com gente mais poderosa do que nós, a atitude inteligente é ceder, mantendo embora a nossa convicção íntima. O mais provável é que Galileu tivesse aprendido essa lição em casa.

Um dia, ele subiu à torre de Pisa para descobrir se uma pedra grande caía mais depressa do que uma pedra pequena. É o tipo de projeto elaborado por um homem que anda à procura de pretextos para sair de casa. A senhora Galilei devia ser difícil de aturar.

Por isso, ele aplicou no tribunal os conhecimentos adquiridos em casa. Disse à Inquisição: sim, querida, tens razão. Mas todos sabemos que quem tinha razão era ele. E a Igreja acabou por perdoá-lo. Levou 500 anos, mas perdoou. A minha mulher costuma levar um pouco mais.

Ilustração
Luiza Pannunzio/Folhapress
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