Ricardo Araújo Pereira

Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Ricardo Araújo Pereira

Agora é que vai ser

Prometi visitar menos museus, comer pior e dedicar menos tempo à família

Todos os anos eu faço as minhas resoluções. No novo ano é que eu vou ser melhor pessoa. Desta vez não falha. 

Vou comer melhor, fazer exercício, beber menos. Quinze dias depois, estou de volta ao velho eu. O esforço para ser melhor dura duas semanas, no máximo. Fazer um contrato comigo mesmo é nisso que dá. Bem feito, para eu aprender a não firmar acordos com gente que não é de confiança. Caio nesta armadilha todos os anos.

Portanto, desta vez, a minha resolução de Ano-Novo é não fazer resoluções de Ano-Novo. E, só com isso, já fiquei uma pessoa melhor: menos ingênuo, mais resistente às promessas mentirosas de charlatães. Que eu preciso de melhoramentos ninguém duvida.

Se é possível levar a cabo essa empreitada é que é bastante duvidoso. E talvez este seja o único progresso possível: perder a ilusão de que sou reformável.

Ilustração de Luiza Pannunzio para Ricardo Araújo Pereira de30.dez.2018.
Luiza Pannunzio

Eu tentei. Não tentei com muita força, mas tentei. Era demasiado difícil. A resolução de beber menos requeria um esforço tal que eu precisava de uma bebida para me concentrar.

E então houve um tempo em que eu tentei a estratégia inversa: como falho todas as promessas, tentei ser ruim. Se falhasse a tentativa de ser ruim, talvez eu ficasse uma pessoa melhor. 

Neste ano, prometi visitar menos museus, comer pior, dedicar menos tempo à família.

Surpreendentemente, estas eram promessas que eu revelava grande capacidade para manter durante muito tempo. 

Os invejosos diriam que era fácil: as resoluções de Ano-Novo são formuladas a seguir ao Natal, e se há coisa que o Natal nos ensina é a dar valor ao tempo que passamos longe da família.

Mas finalmente eu estava a manter a palavra dada sobre as minhas resoluções. Passava longe de academias, comia frituras e gorduras com denodo, fumava. Onde estava agora a minha mãe e a sua teoria segundo a qual eu era um vagabundo incapaz de me empenhar num projeto até ao fim? 

Foi então que percebi que estava a deixar o sucesso subir-me à cabeça. Há qualquer coisa feia em ser bem-sucedido. Mesmo que a gente não queira, esfrega na cara dos outros a nossa capacidade superior. No meu caso, o meu talento para a preguiça e o desleixo é particularmente exuberante.

Por isso, deixei-me de resoluções que me arranquem desta mediania mansa que tem sido a minha vida. Este ano é que eu vou ser igual a mim mesmo. Ou seja, não vou fazer nada de que me possa gabar.

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.