Ricardo Araújo Pereira

Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

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Ricardo Araújo Pereira

Matrimônio: um alerta

Padres são como instrutores de paraquedismo que nunca estiveram num avião

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De todas as burlas do mundo moderno, a mais perigosa é o casamento. O email do príncipe da Nigéria engana pouca gente e a polícia avisa constantemente para as páginas falsas que pedem dados bancários para roubar o nosso dinheiro.

Mas a prevenção contra o casamento é quase inexistente. E, no entanto, a conspiração é complexa e global. Quem casa as pessoas são padres --que, convenientemente, não são casados, e por isso não sabem o que o casamento é. Se fossem casados, seria muito improvável que pudessem celebrar casamentos e, ao mesmo tempo, respeitar a regra de ouro: não faças aos outros o que não gostarias que te fizessem a ti.

Normalmente, os padres são entusiastas do casamento. É o mesmo que ser um instrutor de paraquedismo nunca tendo posto os pés num avião. Primeiro vá saltar, experimente o terror, a aflição, a sensação de passar a vida inteira sem poder conviver intimamente com outras paraquedistas gostosas (talvez esta não seja a melhor metáfora), e depois então venha fazer campanha a favor do paraquedismo.

Ilustração
Luiza Pannunzio/Folhapress

Um dos problemas do casamento é a impossibilidade de cumprir a promessa que nos pedem para fazer no altar: jura amar esta pessoa para sempre? A questão não é essa. Formulada assim, faz parte do logro. Até posso estar convencido de que vou amar esta pessoa para sempre. O problema é que esta pessoa não vai ser esta pessoa para sempre.

A pessoa com quem a gente casou há 20 anos é muito diferente agora. Há fotografias que o documentam. E não é só a aparência, é o resto também. Mudou de gostos, de ideias, até de caráter. Já não é a mesma pessoa. Ou seja, 20 anos depois, estamos cometendo adultério (essa é a parte positiva. Adultério é excitante). Mas, na verdade, com a mesma pessoa (essa é a parte negativa. Adultério é muito mais compensador se não for praticado com o cônjuge).

O que acontece é que a gente casa com o navio de Teseu. Conhece esse paradoxo? Para preservar o navio, vamos substituindo as partes degradadas por outras. Pomos um convés novo, mudamos os remos, trocamos os mastros. A certa altura, nenhuma das peças iniciais do navio de Teseu subsiste. Mas a gente continua a chamar-lhe "o navio de Teseu". Será que podemos?

Há várias perspectivas. A minha é: talvez não, porque o navio de hoje já nada tem a ver com o que conhecemos no início. A da minha mulher é: cala-te e vai lavar a louça. E é capaz de ter razão, porque a verdade é que quando eu a conheci ela já era meio desagradável.

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