Ricardo Araújo Pereira

Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

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Ricardo Araújo Pereira

Não estou afirmando

Churchill morreu sem nos dizer com que frequência deveríamos fazer cocô

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O presidente do Brasil sugeriu que as pessoas fizessem cocô apenas dia sim, dia não. Eis uma frase que eu nunca pensei escrever. 

Permitam que repita: o presidente do Brasil sugeriu que as pessoas fizessem cocô apenas dia sim, dia não. 

Estadistas não costumam refletir sobre cocô —o que se lamenta, aliás. Churchill, por exemplo, morreu sem nos dizer com que frequência deveríamos fazer cocô. Creio que, nos seus discursos, não referiu, sequer, uma cólica. 

De Lincoln, Gandhi e Mandela também nunca ninguém ouviu uma palavra sobre o funcionamento do aparelho digestivo. Mas Bolsonaro não foge às grandes questões e abordou corajosamente o problema do cocô e sua óbvia relação com a poluição mundial, que os cientistas se têm esquivado a estudar. 

Uma semana depois, Bolsonaro faz história de novo. Sobre os incêndios na Amazônia, disse: “Pode estar havendo, não estou afirmando, ação criminosa desses ‘ongueiros’ para exatamente chamar a atenção contra a minha pessoa”. Mesmo não mencionando cocô, a frase merece análise, sobretudo por causa da expressão “não estou afirmando”.

É uma expressão que permite todas as especulações. Atenção, eu não estou afirmando, mas esses ‘ongueiros’ podem ter matado o Kennedy. Embora eu não o esteja afirmando, pode ter sido por causa desses ‘ongueiros’ que o Brasil tomou 7 a 1 da Alemanha, naquela Copa. 

Por outro lado, apesar de saudar essa estratégia de lançar suspeitas sem se comprometer, fiquei surpreendido com o alvo. Os ‘ongueiros’? Sempre pensei que o fogo da Amazônia fosse culpa da turma da ideologia de gênero, em estreita colaboração com os muçulmanos e com as pessoas que fazem demasiado cocô. 

Os ‘ongueiros’ acabam de se juntar ao eixo do mal, e para chamarem a atenção do mundo contra o presidente do Brasil, vão queimar o pulmão do planeta. 

Ora, isto não é perfídia, é burrice. Para chamar a atenção das pessoas contra Bolsonaro, tem bastado colocar-lhe um microfone à frente. 

Sozinho, ele desenvolve uma teoria sobre cocô que sai na Newsweek, na BBC, na Fox News e na Forbes. Às vezes parece que ele formula este tipo de pensamento para obrigar os jornais a gastarem mais papel e assim aumentar o desmatamento. Mas não estou afirmando.

Ilustração
Luiza Pannunzio

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