Ricardo Araújo Pereira

Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

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Ricardo Araújo Pereira

Rambo e a cirurgia estética

A grande questão que o filme desperta acaba por ficar sem resposta

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Como as grandes obras artísticas são as que inquietam e fazem pensar, fui ver o quinto filme da série “Rambo”. É das mais intrigantes películas que tenho visto, não tanto pelo que é dito, mas sim pelo que deixa por dizer. Trata-se de uma obra que deixa o espectador suspenso, à espera do que nunca surge.

A grande questão que o filme desperta acaba por ficar sem resposta. Ninguém, a qualquer altura do enredo, se aproxima do Rambo e diz: “John, vem aqui, você fez uma plástica?”. Simplesmente não acontece.

É evidente, desde o primeiro fotograma, que John Rambo, veterano da Guerra do Vietnã, soldado solitário e recatado, se submeteu a uma cirurgia cosmética facial. Mas nunca isso suscita a curiosidade das personagens que cruzam com ele. Aguardamos até ao fim do filme que alguém faça a pergunta óbvia, sacie a curiosidade da plateia e permita ao espectador se concentrar na história. Não custava nada.

Logo na abertura, algum amigo podia perguntar a Rambo pela plástica. Ele responderia, provavelmente: “Sim, uma vez levei um tiro no Afeganistão e, como precisei de cirurgia reconstrutiva, aproveitei e fiz um lifting. Bom, vamos matar traficantes”. E pronto, ficávamos todos esclarecidos e a história continuava.

Ilustração em linhas pretas do ator Sylvester Stallone no papel de Rambo. Ele está segurando um acordo e flecha
Luiza Pannunzio

Mas não. Rambo invade o cartel, começa a arrebentar coisas e a gente só pensa: “Espero que, antes de morrer, este bandido pergunte ao Rambo se ele pôs botox na testa”. O modo como essa inquietação nos tortura, ao longo do filme, faz empalidecer a violência que vemos na tela. Sim, alguns traficantes são trespassados por um dispositivo com pregos, mas dói mais ser atravessado por esta dúvida.

Quando é que o Rambo fez a plástica? Foi no Pitanguy? Com a pele assim esticada continua a conseguir fechar facilmente um olho para fazer mira com a metralhadora? Porque é que ninguém lhe pergunta nada disso?

Este não é o único caso perturbador, para um cinéfilo como eu. Na semana passada vi um filme de época em que Maria Antonieta tinha silicone no peito. Na corte francesa do século 18, nenhuma das outras personagens estava impressionada. Nem um sobressalto, nem uma expressão interrogativa, nem um duplo olhar. O certo é que acabaram por matá-la. Muito provavelmente por considerarem que ninguém tem o peito assim tão firme a menos que seja bruxa.

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