Agora chega. Quando a União Soviética deixou de ser União Soviética, eu aceitei. Quando foi a Tchecoslováquia, fiquei calado. Quando foi a Iugoslávia, deixei passar. Mas agora é demais. A Holanda deixa de ser Holanda e passa a se chamar Países Baixos. Por quê?
Não houve guerra, o país não implodiu, nada. O país não sofreu qualquer transformação de relevo. Nem sem ser de relevo. Caprichosamente, os holandeses resolveram mudar o nome. Dizem que é melhor para o turismo. Ao que parece, uma quantidade enorme de turistas recusava terminantemente visitar a Holanda.
Mas todos estão doidos para conhecer os Países Baixos. Como assim, os Países Baixos? Países, no plural? Quantos países são a Holanda? E Baixos será o adjetivo mais prestigiante? Quem tem orgulho em pertencer aos Países Baixos? Por que não, já agora, Países Reles? Ou Países Vis?
Quando, na ONU, alguém se queixar de que há, no plenário, países baixos, os holandeses dirão, muito contentes: “Sim, somos nós”. Minto: não serão mais holandeses; serão paisesbaixenses. A cada falta dura, cada cartão amarelo ou vermelho, na Copa do Mundo, os comentaristas dirão: “Olha só, mais uma baixaria dos Países Baixos”. É fatal.
Não ignoro que a língua portuguesa produz algumas excentricidades envolvendo singulares e plurais. Por exemplo, é estranho que a palavra “um” tenha plural: “uns”. Até porque a palavra “dois” não tem singular. Não existe “doi”.
Mas essa opção dos Países Baixos é de outro nível. Não quero ser desrespeitoso, mas parece uma decisão tomada sob o efeito de substâncias que se vendiam na Holanda. Não sei se ainda se vendem nos Países Baixos.
Eu já fui à Holanda. Ainda não tive oportunidade de ir aos Países Baixos. Mas a ideia é típica de um certo estado de intoxicação: ver a dobrar (daí Países) e amor pelo bizarro (daí Baixos). Imagino as risadas que o autor da ideia provocou nos amigos que jantavam cogumelos com ele.
Pensei que o mundo ia ficar quieto durante algum tempo. Que podíamos confiar em países estáveis como a Holanda para se manterem Holanda para sempre. Mas “para sempre é sempre por um triz”, como escreveu Chico Buarque dos Países Baixos.
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