Ricardo Araújo Pereira

Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

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Ricardo Araújo Pereira

No Brasil, a vida imita os filmes de Sandra Bullock e tem influência satânica

Roberto Alvim estava tão bem da cabeça que o demônio resolveu entrar nela

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Quem desdenha do raciocínio filosófico e do poder da dedução lógica, sente-se, preste atenção e se envergonhe.

Depois de Roberto Alvim ter tentado contratar a própria mulher, ter indicado para a presidência da Funarte um homem que acha que “o rock ativa a droga que ativa o sexo que ativa a indústria do aborto”, ter nomeado para a direção da Fundação Palmares o autor da frase “a escravidão foi terrível, mas benéfica para os descendentes”, e ter feito um vídeo em que explanava o seu projeto para a cultura brasileira com frases decalcadas de Goebbels e ao som de Wagner, o filósofo Olavo de Carvalho arriscou: “É cedo para julgar, mas o Roberto Alvim talvez não esteja muito bem da cabeça.”

Esta perspicácia, natural em quem é capaz de arrancar corolários cintilantes do silogismo mais intrincado, não está ao alcance de qualquer pensador. E mesmo os que, avaliando corretamente as premissas, pudessem ter chegado àquela conclusão, talvez se tivessem precipitado para um julgamento definitivo, quando o caso recomendava, evidentemente, a prudência de um “é cedo para julgar”, a dúvida de um “talvez”, a suavidade perifrástica de um “não esteja muito bem”.

Ilustração que reinterpreta uma cena do vídeo de Roberto Alvim. Há um homem sem rosto sentado em uma mesa, uma bandeira do Brasil na lateral e um quadro de Jair Bolsonaro no fundo.
Luiza Pannunzio/Folhapress

Exigia-se cautela porque, durante alguns dias, foi sendo desenvolvida uma teoria segundo a qual um assessor infiltrado teria escrito o discurso e introduzido a frase de Goebbels, reproduzindo uma estratégia usada num filme com Sandra Bullock.

Eram cuidados justificados, uma vez que, se em outros países a vida imita a grande arte, o mais provável era que, no Brasil de Bolsonaro, a vida imitasse os filmes da Sandra Bullock.

Foi então que, finalmente, Roberto Alvim resolveu o mistério: tinha sido ele a escrever o texto, sem qualquer ajuda ou intervenção dos assessores. E terminava dizendo: “Estou orando sem parar, e começo a desconfiar não de uma ação humana, mas de uma ação satânica em toda essa horrível história”.

Subitamente, a política brasileira estava não sob a influência indireta de Sandra Bullock, mas sob a influência direta de Satanás.

Sem surpresa, o Capeta era bem mais pérfido do que a Sandra: introduzir sub-repticiamente uma frase no discurso seria apenas maldoso. Verdadeiramente perverso é lograr que o autor a escreva de sua livre vontade. Afinal, Alvim estava bem da cabeça. Tão bem que o demônio, provavelmente por achar o espaço amplo e arejado, resolveu entrar nela.

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