Ricardo Araújo Pereira

Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

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Ricardo Araújo Pereira
Descrição de chapéu

Quem imuniza cacho de uvas entende a humilhação que ciência nos infligiu

Disciplina continua a pôr-me a fazer figura de bobo 30 anos após o fim do ensino médio

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Precisamente na altura em que me encontrava a elaborar um estudo acerca de estudos sobre a Covid, a revista Science publicou um estudo acerca de estudos sobre a Covid.

Desapontado, comecei então a compor o primeiro estudo sobre estudos acerca de estudos sobre a Covid, que tenho o prazer de apresentar agora. O primeiro estudo acerca de estudos sobre a Covid que estudei foi, então, o da revista Science, cuja conclusão geral é: há demasiados estudos sobre a Covid, e os cientistas não conseguem estudá-los todos. Só na semana anterior à publicação da revista, diz um cientista queixoso, saíram 4.000 estudos.

Pessoa dentro de casa, de pijamas. Seu chão é de taco de madeira, há um gato e um vaso de plntas. Ela usa máscara e está com as mãos na cabeça. De uma janela, entra uma fumaça verde
Ilustração de Luiza Pannunzio para coluna de Ricardo Pereira de 24.mai.2020 - Luiza Pannunzio

Ora, essa era exatamente a conclusão do meu estudo sobre estudos. Não só os estudos são muitos como, muitas vezes, são contraditórios. Há dois grandes tipos de estudos: os que avançam com uma teoria e os que dizem que afinal não. Tudo isso é normal em ciência, uma vez que é um tipo de saber que se verifica a si próprio, mas irrita leigos. Como eu sou mesmo muito leigo, fico mesmo muito irritado.

A ciência já me tinha habituado à sua volatilidade. Estive anos convencido de que o sistema solar tinha nove planetas —até que, em 2006, cientistas rebaixaram Plutão à série B dos corpos celestes.

Sobre a Covid, tem acontecido mais ou menos o mesmo. Antes, a OMS desaconselhava o uso de máscara; depois passou a recomendar. Primeiro, um estudo sugeria que o vírus podia permanecer durante 72 horas em superfícies como plástico ou aço; agora, a OMS diz que não há provas de contágio através de superfícies e objetos. O problema é o seguinte: eu estava habituado a que a ciência me pusesse a fazer figura de bobo na escola, por intermédio de perguntas a que eu não 
sabia responder, nos testes de física, química e biologia.

O que eu levo a mal é que a ciência continue a conseguir pôr-me a fazer figura de bobo 30 anos após o fim do ensino médio. Desinfetar as compras do supermercado, que era ligeiramente aviltante há duas semanas, passou a ser retroativamente ridículo agora.

Todos os que estiveram meia hora a imunizar um cacho de uvas, bago a bago, compreendem bem a humilhação que o método científico nos infligiu. Foi para evitar isto que eu fui para humanas —e mesmo 
assim não resultou.

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