Ricardo Araújo Pereira

Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

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Parece que colocar ponto final em mensagens de texto é mal visto

Eu, que não fui atempadamente avisado desta etiqueta ortográfica, continuei a usar pontos

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É um escândalo, mas têm de ser leigos como eu a formular a pergunta. Qual é o estatuto do ponto final, nos dias de hoje?

Os linguistas não parecem especialmente preocupados com o assunto, o que é lamentável. Algo se passa com o ponto final e ninguém faz nada. Comecei a reparar quando passei a receber cada vez mais mensagens de texto sem ponto final. Aguardava que o resto da frase aparecesse na mensagem seguinte, mas não. O meu interlocutor já tinha acabado de escrever, só não colocara ponto final.

Ilustração de pessoa com uma mão segurando o celular e a outra no rosto. Ela abre os dedos que estão sob o olho para espiar a tela do celular
Luiza Pannunzio/Folhapress

Recorri à internet para saber se o fenômeno já tinha sido estudado. Já tinha: parece que colocar ponto final em mensagens de texto é mal visto. Mensagens que levam ponto final são percebidas como ríspidas, agressivas ou até desonestas. Como assim, desonestas? Pôr um ponto é desonesto? Como é que colocar os pingos nos Is é sinal de esclarecimento e honestidade e colocar um pingo no fim da frase é desonesto? Quem decidiu discriminar os pingos quanto à posição que ocupam no texto? Como é que a polícia não faz nada?

Eu, que não fui atempadamente avisado desta etiqueta ortográfica, continuei a colocar pontos no fim das mensagens. “E se fizéssemos um churrasco no sábado?”, perguntavam. “Parece-me boa ideia.”, respondia eu, com um ponto final. “Passa-se alguma coisa?”, perguntavam de volta. “Não.”, respondia eu, com um ponto final.

Quanto mais eu garantia que nada se passava, mais os meus pontos finais indicavam o contrário. Depois eu falava cara a cara com essas mesmas pessoas e descobria que elas, ao mesmo tempo que eram avessas a usar pontuação por escrito, eram entusiastas da sua utilização na oralidade.

Você sabe: pessoas que indicam a pontuação falando. “Eu já decidi que não vou à festa da Fernanda e ponto final.” Quando falam, pontuam; quando escrevem, não pontuam. E dedicam uma atenção exclusiva ao ponto final. Ninguém usa outros sinais de pontuação oralmente. É muito raro ouvirmos dizer: “Talvez eu vá à festa da Fernanda, reticências”. Ou: “O vestido que você vai levar à festa da Fernanda é lindo, ponto de exclamação. Onde comprou, ponto de interrogação.”

Estas considerações sobre pontos finais são o tipo de reflexão que repele as pessoas —e faz com que eu, por exemplo, não seja convidado para a festa da Fernanda. Mas posso garantir uma coisa: eu vou continuar a usar ponto final e ponto final.

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