Ricardo Araújo Pereira

Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

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Quem ia para o espaço sem ser astronauta eram cães; agora, são bilionários

Suspeitei que eram demonstrações de masculinidade, mas depois que vi o formato da nave de Bezos, tive a certeza

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No meu tempo, quem viajava para o espaço sem ser astronauta eram cães. Agora, são bilionários. Dá o que pensar. Homens enriquecem para além do que é imaginável para assim conseguirem finalmente ter o privilégio que, até aqui, estava reservado apenas a cães: entrar numa nave com pessoas que, ao contrário deles, sabem mesmo o que estão lá a fazer, e tentar não urinar fora do sítio próprio.

As naves dos bilionários Bezos (a pessoa mais rica do mundo) e Branson (um pé-rapado que é apenas o 589º mais rico do planeta) elevaram-se a cerca de 90 quilômetros de altitude, mantiveram-se no espaço menos de cinco minutos e depois voltaram para a Terra.

Ilustração do foguete Blue Origin
Luiza Pannunzio

Ora, isso não é uma viagem ao espaço, é fazer uma escala no espaço. Eles fizeram uma viagem da Terra à Terra, com uma escala de cinco minutos no espaço. Nem dava para entrar no free shop, se ele existisse.

Qualquer outra viagem em que o viajante ficasse apenas cinco minutos no destino seria considerada um fracasso ridículo ou até ofensivo. “Meu filho Jeff veio me visitar. Ficou apenas cinco minutos e foi embora”, diria a mãe de Bezos, pesarosa, se o dono da Amazon lhe fizesse uma desfeita dessas.

Mas, numa ida ao espaço, parece que cinco minutos são o suficiente para que a viagem seja um êxito. O que significa, provavelmente, que o espaço não tem muito que ver. Estive à procura de guias turísticos e não encontrei. Talvez seja um sinal.

No entanto, todos os cosmonautas dizem que a experiência, por mais breve que seja, de contemplar a Terra do espaço, os transforma. É possível que isso suceda com estes bilionários. Quem sabe se, tocados pela beleza e fragilidade do planeta visto do espaço, eles não aproveitam o silêncio sideral para refletir: “Aquela é a minha casa. E, ao ver o planeta daqui assim despido, constato que há dois ou três pontos do globo que eu ainda não exploro para meu benefício pessoal. Vou tratar disso assim que aterrissar”.

No início, suspeitei que essas idas ao espaço não eram mais do que uma demonstração prática da velha inclinação dos homens para medirem as suas masculinidades.

Mas depois vi o formato da nave espacial de Jeff Bezos e então tive a certeza. E, como costuma acontecer com esse tipo de homens, faz sentido que eles só aguentem ficar onde interessa durante três ou quatro minutos.

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