Ricardo Araújo Pereira

Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

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Descrição de chapéu

A 'pornografia infantil' envolvendo o Nirvana mostra que sou um velho

Antes, se alguém chamasse a capa do disco da banda de imoral, saberíamos se tratar de uma idosa muito puritana

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O mundo está a se esforçar para me mostrar que sou um velho. Creio que ele sabe que eu já percebi a ideia, mas ainda assim insiste. Para me lembrar de que sou velho, eu preciso apenas me sentar ou levantar, o que faço todos os dias, mas o mundo quer pôr sal na ferida.

Não está satisfeito e, por isso, organiza ocorrências como a desta semana: Spencer Elden, o bebê que aparece na capa do disco "Nevermind", do Nirvana, tem hoje 30 anos e processou todos os envolvidos no álbum, desde a editora até os elementos da banda, por causa dos danos vitalícios que aquela fotografia lhe causou e causa.

"Sofrimento emocional extremo e permanente, com manifestações físicas", queixa-se ele. E imediatamente eu começo a dizer as coisas que a minha avó diria. Que teria gosto em infligir-lhe verdadeiro sofrimento emocional extremo e permanente na bunda. Que se ele fosse cavar batatas não teria tempo para estas frescuras. Que antigamente não havia idiotas desta envergadura.

Ela costumava dizer estas coisas sobre mim. Pois bem, aqui estou eu a pegar no testemunho. Elden reclama ter sido vítima de pornografia infantil. O seu advogado alega que, uma vez que na imagem o bebê persegue uma nota de dólar, estamos diante de um trabalhador sexual. Eu ainda me lembro de quando "pornografia infantil" significava pornografia infantil. Recordo esse tempo com muita saudade. Como a gente achava que a pornografia infantil era uma coisa muito grave, não usava a expressão "pornografia infantil" para descrever a capa de um disco em que um bebê de quatro meses aparece nu na água.

Ilustração de bebê nadando com suas partes íntimas censuradas, em referência a capa do CD Nevermind da banda Nirvana
Publicada neste sábado, 28 de agosto de 2021 - Luiza Pannunzio/Folhapress

Se alguém chamasse isso de pornografia infantil, a gente saberia que provavelmente se tratava de uma velha, muito velha e muito puritana, talvez pertencente a uma ordem religiosa fanática. Agora é um jovem de 30 anos, que lamenta: "Todas as pessoas envolvidas no álbum têm muito dinheiro. Eu vivo com a minha mãe e conduzo um Honda Civic. É difícil não ficar chateado quando se sabe quanto dinheiro está envolvido".

O meu ponto é este: se, perante uma situação de pornografia infantil envolvendo um bebê de quatro meses, alguém considera que o principal problema é o fato de a criança não ter sido devidamente remunerada, essa pessoa é evidentemente criminosa. Parece-me evidente que, se houver justiça, este processo resultará na prisão do queixoso.

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