Ricardo Araújo Pereira

Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

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Descrição de chapéu

Quem espera ver vida real no teatro não é só estúpido, mas homicida em potencial

Por preocupação com saúde mental dos jovens, peça entrega aos espectadores avisos de que cenas não são reais

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De acordo com o jornal inglês Daily Telegraph, o teatro The Globe, em Londres, entrega aos espectadores da peça “Romeu e Julieta” uma página com avisos tais como: “No final, Julieta se mata. Isto não é real”.

Ou: “Perto do final da peça, quando Romeu bebe veneno, o ator finge vomitar e ter convulsões. Isto não é real e ele não está ferido”. Ou ainda: “Há lutas no palco. A violência não é real e não deve ser copiada. Há sangue e vômito nesta produção. Isto não é real”.

A razão de ser dos avisos é, segundo os responsáveis pelo teatro, a preocupação com “os problemas de saúde mental que os jovens enfrentam hoje”, mas confesso que estou mais preocupado com a saúde mental das pessoas que escreveram os avisos.

Ilustração de uma cortina vermelha de teatro e no chão preto está escrito 'Para não interpretar mal...'
Luiza Pannunzio/Folhapress

São diretores de um teatro cuja expectativa é receber espectadores que não sabem o que teatro é. Ora, quem vai ao teatro e não sabe que o que se passa no palco é ficção não é doente mental. É inocente, se tiver menos de quatro anos, e é estúpido, se for maior de quatro.

Quem precisa ser avisado de que os atores não estão mesmo a lutar, ou a morrer, é um tipo muito especial de pessoa. Trata-se de alguém que se senta numa plateia esperando ver a vida real a desenrolar-se à sua frente. Por um acaso feliz, uns tais Capuletos e Montéquios estão a viver a sua vida em cima de um estrado, entre as oito e as dez da noite.

Umas centenas de pessoas têm a sorte de ver. Deve ser por isso que os bilhetes são tão caros. E, de fato, não há dúvida de que é perturbador assistir à morte verdadeira de uma pessoa.

No entanto, o espectador que pensa estar a ver Romeu a beber veneno real não é apenas estúpido —juridicamente, também é um homicida por negligência. Porque, naquele ponto da peça, o espectador que julga estar a assistir à vida real sabe que, ao contrário do que Romeu acredita, Julieta não está mesmo morta.

Qualquer tribunal concordará que o espectador tem o dever de se levantar e dizer: “Ei, Romeu! Não bebas isso! O mensageiro que frei Lourenço enviou para te dizer que ela ia beber uma poção especial para parecer morta não chegou a tempo de te avisar. Ufa! Podia ter acontecido aqui uma tragédia, se não fosse eu. E estes 300 babacas que estão a ver isto comigo não iam dizer nada. Incrível”.​

Ser um idiota é o menor dos defeitos deste psicopata. Só com avisos destes não vamos lá.

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