Ricardo Araújo Pereira

Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Ricardo Araújo Pereira
Descrição de chapéu
AIDS

Bolsonaro inventou uma notícia e depois inventou que não tinha inventado

Alambique de idiotice, presidente é um jogo do telefone sem fio em forma vagamente humana

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Creio que já manifestei aqui a minha preocupação pelos historiadores do futuro que, daqui a muitos séculos, resolverem estudar a nossa época.

O que acontecerá quando, ao escreverem as suas obras sobre o Brasil do início do século 21, derem por si a compor frase "e depois o presidente afirmou que as pessoas totalmente vacinadas contra a Covid-19 desenvolviam Aids muito mais rápido do que o previsto"?

Vão querer verificar novamente as fontes, pedir a um amigo para se certificar de que eles não estão com febre, confirmar que um colega mal intencionado não forjou um jornal de 2021 para os lançar numa pista falsa? Provavelmente.

Ilustração feita em linhas pretas de Jair Bolsonaro usando óculos e olhando para um papel que está em suas mãos. Ele está sentado com os braços apoiados sobre uma mesa e é possível ler no papel "É óbvio que nenhuma vacina causa Aids. Mas meu objetivo é confundir o povo". Em cima da mesa, há outro papel com uma lista "Prevaricar; Charlatanar; Provocar mortes; Incitar ao crime" e marcações verdes na frente todos os itens. No fundo, há uma estante e atrás dela um fundo verde vibrante.
Publicada neste sábado, 30 de outubro de 2021 - Luiza Pannunzio

Não vai ser fácil acompanhar o que se passou agora quando já todos tivermos morrido porque eu ainda estou vivo e tenho muita dificuldade. Primeiro, Bolsonaro inventou uma notícia e depois inventou que não tinha inventado.

Eu estou habituado a ler ficção, mas nunca vi uma capacidade de efabulação como esta. Bolsonaro avançou com uma teoria absurda, os jornais confirmaram que era absurda, e a seguir ele indignou-se porque tinha lido a notícia nos mesmos jornais que agora o acusavam de espalhar informação falsa. Havia apenas um pequeno problema: os jornais não tinham dito aquilo que ele disse que diziam.

Será que o leitor ainda consegue acompanhar-me? Talvez seja mais fácil explicar assim: Bolsonaro é um jogo do telefone sem fio em forma humana. Enfim, vagamente humana.

Todo o mundo conhece a brincadeira: uma pessoa segreda uma frase ao ouvido de outra, que por sua vez a segreda a outra e assim sucessivamente. Quando a última pessoa ouve a frase, ela é muito, muito diferente da frase original.

Bolsonaro consegue fazer isso sozinho: lê uma frase no jornal, processa a informação e, quando a reproduz numa live do Instagram, ela já não tem nada a ver com o que ele leu.

Há qualquer coisa de admirável nisso. É um alambique de idiotice. Uma coisa entra sensata pelos ouvidos e sai obtusa pela boca. Quando lhe chamaram mito, os apoiadores de Bolsonaro falharam, mas não por muito. Bolsonaro não é o mito. É o mito urbano.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.