Ainda há dias estava a ler um poema em que a autora dizia ter parado de roer as unhas precisamente quando toda a gente parou de lhe dizer para parar de roer as unhas. Às vezes, é assim.
Unhas, já agora, são feitas de queratina, e são uma estrutura aparentada dos cabelos. Faz todo o sentido que os estabelecimentos comerciais que penteiam uns também façam as outras. O mundo está mais bem organizado do que a gente pensa. Seja como for, quem escrevia o poema só deixou de roer as unhas quando deixaram de lhe dizer para não ser cretina com a queratina.
Os museus e teatros dos Países Baixos também aproveitaram unhas e cabelos para dar uma lição. O governo neerlandês proibiu a abertura dos museus e dos teatros, mas autorizou o funcionamento de cabeleireiros e esteticistas.
À primeira vista, a medida não faz grande sentido. E à segunda vista, receio, também. Então, diretores de museus e de teatros passaram a oferecer serviços de cabeleireiro e manicure. As pessoas entram no museu e cortam o cabelo enquanto contemplam um quadro de Van Gogh. Vão ao teatro e assistem à ópera ao mesmo tempo que lhes fazem as unhas.
É um protesto, evidentemente, mas pode também ser um interessante progresso. Juntar atividades e poupar tempo.
Um avanço inovador que, sem a pandemia, não ocorreria a ninguém. E que melhora ambas as experiências. No decurso de um corte de cabelo, uma pessoa pode ficar com um olho obstruído pela franja e assim apreciar um Vermeer de um modo inédito até hoje.
Ou pedir que lhe façam a barba como a da figura central da "Ronda da Noite", do Rembrandt. Haverá experiência de fruição da arte mais intensa do que o espectador se transformar na tela?
Fazer as unhas na ópera pode levar ainda mais longe a participação do público na obra. Se, na altura certa, a manicura der um golpe inadvertido no sabugo, a cliente pode, com o seu guincho agudo, juntar-se ao momento em que a Rainha da Noite ralha com a Pamina, na "Flauta Mágica". Estou certo de que Mozart aprovaria.
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