Ricardo Araújo Pereira

Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

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Ricardo Araújo Pereira
Descrição de chapéu

Brasucas têm de se esforçar mais para ofender os portugueses com piadas

Como é possível que tenham escolhido humilhar o meu povo da forma mais vil e xenófoba, quando tinham os argentinos?

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Creio que adiamos por demasiado tempo esta conversa. Está a começar a ficar desconfortável. Vamos mesmo ter de falar de piadas de português, se não se importam.

Não quis dizer nada até agora, mas a verdade é que estou muito magoado. Isso que os brasileiros fizeram é muito feio. Como é possível que tenham escolhido humilhar o meu povo da forma mais vil e xenófoba, quando tinham os argentinos mesmo aqui ao lado?

No desenho de Luiza Pannunzio - antes de mais nada você lê a frase: piada de português. A palavra português te convida a re-conhecer no desenho dois homens que dele fazem parte. Em primeiro plano, um homem branco veste um conjunto preto esportivo de calça, jaqueta de zíper e tênis. Ele segura na mão direita uma bandeirinha pequena do Brasil e no rosto um leve sorriso. Com a mão esquerda aponta ao outro homem branco que está logo ali, vestindo terno, gravata e sapato social - tudo preto, com exceção da camisa de cor branca. Este leva numa das mão - próximas do abotoamento do paletó, uma bandeira também pequena, dessa vez de Portugal, além de nenhum sorriso.
Publicada neste sábado, 25 de junho de 2022 - Luiza Pannunzio

Ainda por cima, o certo é que as piadas de português não são propriamente humilhantes. Sinto que quiseram ser meigos conosco. É isso que mais me incomoda.

Querem exemplos? Reparem nesta: é a célebre cena em que os fariseus se preparam para apedrejar a mulher adúltera. Jesus intervém e diz: "Quem nunca errou, que atire a primeira pedra". E então o português pega numa pedra e acerta em cheio na mulher adúltera. Muito surpreendido, Jesus diz: "Tu nunca erraste?". E o português responde: "Desta distância, não".

Não sei se estão a ver onde eu quero chegar. Amigos, em primeiro lugar, só existe Portugal desde 1143. Nenhum português conviveu com Jesus. Não somos assim tão velhos. Mas vamos conceder que, para efeitos de ficção, um português lá estivesse. O homem tem razão, lamento dizê-lo. Na verdade, o verbo errar é polissêmico. Tanto significa pecar como falhar. Se se está a falar de atirar pedras, a acepção de falhar é bastante sensata. Se quer fazer-se entender, o Messias tem de se explicar melhor.

Outra: o português sequestra um rapaz. E depois envia uma carta aos pais do menino. Dentro do envelope está uma orelha ensanguentada e a mensagem: "Esta orelha é minha, mas se não pagarem a próxima será dele".

Mais uma vez, creio que todos reconhecemos que se trata de um raciocínio admirável. Exercer violência sobre si próprio assusta tanto ou mais como exercê-la sobre o outro.

E cortar uma orelha ao refém poderia diminuir o seu valor. É o bem mais precioso do sequestrador, não convém desvalorizá-lo. Já nem falo do fato de ser um bandido moralmente impecável.

E mais: agora cortar a orelha é coisa de burro? Vão dizer isso a Van Gogh. Têm de se esforçar muito mais para nos ofender, brasucas.

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