Ricardo Araújo Pereira

Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

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Ricardo Araújo Pereira
Descrição de chapéu

Donald Trump e Hitler não precisam se esforçar para serem ridículos

Humoristas têm dificuldade para satirizar políticos eficazmente, tendo em conta o patamar de insensatez

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Uma das perplexidades do mundo moderno é a dificuldade que a comédia tem para satirizar eficazmente estadistas grotescos, como Donald Trump (se vos ocorrer mais algum, digam). Ninguém foi mais violentamente satirizado, e ainda assim ele ganhou uma eleição. Na imaginação dele até ganhou duas.

Sucede que a comédia tem uma celebrada predileção por virar as coisas ao contrário.

Ora, o mundo dos estadistas grotescos já está virado do avesso, pelo que a operação de invertê-lo produz o efeito pouco engraçado de colocar as coisas no seu lugar. E nenhum humorista com o mínimo brio profissional ambiciona dizer coisas acertadas.

No desenho de Luiza Pannunzio, um homem branco de traje social e tênis - sentado sobre o ponteiro das horas de um relógio que aponta para o número três - ri sozinho. Com o braço direito - o personagem abraça o ponteiro dos minutos parado neste exato instante no número um - enquanto seu braço esquerdo esticado para lateral - traz a ele equilíbrio. Vê-se o ponteiro vermelho dos segundos aproximando...
Ilustração de Luiza Pannunzio para coluna de Ricardo Pereira Araujo de 7.ago.22 - Luiza Pannunzio

O que é fascinante no raciocínio dos estadistas grotescos é precisamente o fato de ser tão parecido com o humorístico.

É por isso que, num certo sentido, ele é tão difícil de contestar —até pelo humor. É possível argumentar que o discurso do estadista grotesco e o discurso humorístico partilham exatamente a mesma estrutura.

A diferença é que os humoristas estão a fazer de propósito e os estadistas grotescos estão, acho eu, a serem absurdos sem querer —o que é, aliás, invejável.

Portanto, a proposta fundamental dos humoristas talvez não deva ser desmentir o ideário do estadista grotesco, mas olhá-lo a partir de vários pontos de vista, aprofundá-lo, partir do absurdo a caminho de um absurdo ainda maior —uma proeza difícil de realizar, tendo em conta o patamar de insensatez no qual essa jornada começa.

Há quem diga que o poder do humor é desenhar o bigodinho ridículo no rosto do estadista grotesco, para ridicularizá-lo. Quem defende esse ponto de vista esquece que Chaplin já era uma celebridade planetária quando o mundo ficou a saber quem era Hitler.

Quando Hitler subiu ao poder surgiu na Inglaterra uma canção popular chamada "Quem É Esse Homem que Parece Charlie Chaplin?". Hitler já conhecia o bigodinho ridículo e o adotou.

Como sabemos, o bigodinho ridículo não o derrubou —longe disso. Pessoalmente, não tenho dúvidas de que os estadistas grotescos podem ser derrubados por um rabisco.

Mas não é o bigodinho que o humorista lhes desenha no lábio. O que derruba os estadistas grotescos é um rabisco, sim. São aqueles dois risquinhos em forma de cruz que a gente desenha no boletim de voto.

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