Ricardo Kotscho

Jornalista e escritor, autor de ‘Do Golpe ao Planalto – Uma vida de repórter’

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Ricardo Kotscho

Vem aí outro Jânio Quadros?

Após surgir como um furacão, ele jogou tudo para o alto e afundou o país

“Varre, varre, varre, vassourinha / varre, varre a bandalheira / que o povo já tá cansado / de sofrer dessa maneira / Jânio Quadros é a esperança desse povo abandonado” (jingle da campanha presidencial de Jânio Quadros, eleito em 1960).

Eu era menino ainda, tinha 12 anos, mas me lembro bem do tsunami que varreu literalmente o país durante a campanha presidencial. Meu pai, que era janista, morreu naquele ano. 

Vereador, prefeito, deputado, governador de São Paulo, Jânio da Silva Quadros subiu como um furacão na política brasileira no pós-guerra da década de 50, entre o suicídio de Getúlio Vargas e os anos dourados de JK.

Por que me lembro de tudo isso agora? 

Jânio não era um homem de partido, não pertencia a nenhum clã, combatia a velha política, andava em mangas de camisa, encarnava o moralismo autoritário e fez da vassoura seu símbolo numa campanha baseada no combate à corrupção. 

“Não se desespere! Jânio vem aí para varrer a roubalheira!”, gritavam seus seguidores pelas ruas, em tom ameaçador. 

Santinho, em formato de selo, utilizado na campanha de Jânio Quadros, em 1960
Santinho, em formato de selo, utilizado na campanha de Jânio Quadros, em 1960 - Divulgação/TSE

Foi o primeiro político marqueteiro da nossa história. Aparecia em público com paletó ensebado de caspa ou com o quepe de motorista de ônibus. Comia sanduíches de mortadela para criar a imagem de homem simples do povo e em seus discursos abusava de próclises e mesóclises para mostrar erudição. 

“Os palanques transformaram-se em verdadeiros palcos de tragicomédia... Muitos o tomaram como um Messias”, escreveu a historiadora Maria Victoria Benevides no opúsculo “O Governo Jânio Quadros” (Brasiliense). 

Jânio se lançaria candidato à Presidência por uma coligação antigetulista de pequenos partidos. Logo conquistaria o apoio dos banqueiros e fazendeiros da UDN, e assim se elegeu com 48% dos votos de um total de 11,6 milhões de eleitores (hoje somos 147 milhões). 

Apenas sete meses após a posse, ao perder o apoio da UDN no Congresso, Jânio renunciou. Jogou tudo para o alto, sonhando em voltar nos braços do povo num lance bonapartista que não deu certo, e afundou o Brasil numa profunda crise política que três anos depois desaguaria no golpe de 1964.

Em 1986, nos 25 anos da renúncia, numa longa entrevista que fiz com ele para o Jornal do Brasil, rememorou assim os fatos: “Eu nem sequer me lembro direito... Me lembro apenas de ter telefonado para Eloá e dito: ‘Arrume as malas porque eu não sou mais o presidente’. A minha displicência foi tal que, de Cumbica, eu fui para Santos, dirigindo meu fusquinha. E embarquei num cargueiro para Londres...”

Qualquer semelhança...

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