Roberto Simon

É diretor sênior de política do Council of the Americas e mestre em políticas públicas pela Universidade Harvard

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Roberto Simon

A aposta perdida

Se o Brasil quer ajudar a Venezuela, terá de mudar de posição

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O governo Bolsonaro tinha menos de três semanas quando desembarcou em Brasília uma caravana de líderes da oposição venezuelana.

O ex-prefeito de Caracas Antonio Ledezma, o ex-presidente da Assembleia Nacional (hoje "chanceler interino") Julio Borges, o líder do Tribunal Supremo, Miguel Ángel Martín, entre outros, tiveram audiência no Itamaraty e circularam pela Praça dos Três Poderes. O próprio Bolsonaro recebeu Ángel Martín.

Ao final da jornada, o Ministério das Relações Exteriores soltou uma nota com expressões estranhas ao monótono vernáculo itamarateca: "O Brasil tudo fará para ajudar o povo venezuelano a voltar a viver em liberdade". Enquanto crescia a especulação sobre o uso da força contra a ditadura de Nicolás Maduro, a promessa de "tudo fazer" ganhava sentido especial.

Ao cair, Dilma Rousseff levara consigo o apoio brasileiro ao chavismo. Michel Temer colocou o Brasil no Grupo de Lima, a coalizão de países latino-americanos que se opõe à ditadura venezuelana.

Bolsonaro e seu chanceler, Ernesto Araújo, foram além e fizeram uma aposta arriscada: colocaram todas as fichas no presidente interino Juan Guaidó, e a crise venezuelana virou uma batalha entre a civilização cristã e o socialismo.

O líder opositor venezuelano Juan Guaidó, que está enfraquecido - Boris Vergara/AFP

No cálculo frio da política, poderia ter dado certo. Se o regime Maduro rapidamente ruísse e uma transição pacífica colocasse a oposição no Palácio de Miraflores, o Brasil figuraria como padrinho dos novos donos do poder.

Em abril, quando estourou o levante militar liderado por Guaidó e o ex-governador Leopoldo López, parecia que a queda de Maduro era iminente.

Mas, nove meses depois, está claro que a aposta deu errado. E o que é pior: o Brasil parece disposto a dobrá-la.

Uma série de fatores, internos da Venezuela e da conjuntura regional, criaram um novo equilíbrio, em que o chavismo figura firme no poder. Desde a rebelião e da crise envolvendo o envio de ajuda humanitária, Guaidó e o drama venezuelano sumiram do noticiário. Para além do wishful thinking, não há expectativa de que o presidente interino, a qualquer momento, assuma o poder.

Em julho e agosto, os EUA impuseram rodadas de sanções contra a indústria petroleira venezuelana —uma decisão trágica do ponto de vista humanitário, mas também político. 

Gente bem informada nota que o cerco americano uniu facções chavistas em torno de Maduro, reduzindo as chances de defecções, e reforçou a desculpa do regime de que Washington é a causa do colapso econômico (obviamente não é).

Agora, há dois elementos novos. A saída de John Bolton, o falcão entre os falcões da Casa Branca, reduzirá o ímpeto intervencionista americano diante de Caracas. Bolton teria irritado Trump ao indicar que seria "fácil" tirar Maduro de cena.

Segundo, com a provável vitória peronista na Argentina, o México não será mais o único grande país da região a rejeitar Guaidó como legítimo governante. A pressão regional está baixando.

Nesse novo equilíbrio, o único caminho para uma transição pacífica e democrática é o das negociações. O diálogo entre chavistas e a oposição em Barbados, sob mediação norueguesa, empacou.

O Brasil nem sequer foi convidado como observador, e agora rejeita um processo de negociação mais amplo, incluindo países da região. A um interlocutor, Ernesto pregou: "Não se esqueça que chavistas são criminosos".

De fato, são. Mas simplesmente ignorá-los, no melhor dos casos, reforçará nossa insignificância diplomática frente à questão geopolítica mais importante da América do Sul. No pior, contribuirá para o colapso venezuelano.

As opiniões do autor não refletem necessariamente a posição do Council of the Americas. 

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