Roberto Simon

É diretor sênior de política do Council of the Americas e mestre em políticas públicas pela Universidade Harvard

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Roberto Simon

A pergunta de New Hampshire

Estratégia de Biden contra Trump vale ao Brasil de Bolsonaro

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Alguns segundos em campanhas eleitorais por vezes sintetizam questões fundamentais da política contemporânea. A disputa democrata nos EUA teve um momento desses, na véspera do Ano-Novo.

Joe Biden falava com a plateia, em New Hampshire, quando uma senhora tímida pegou o microfone. “Outra noite, meu filho me perguntou por que o senhor não considera escolher um republicano como seu candidato a vice.” Biden olhou para baixo, ganhando alguns segundos, e devolveu: “A resposta é que eu consideraria, mas não consigo pensar em nenhum agora.” Quando a plateia riu, o líder na corrida democrata avisou que falava sério. “Há republicanos realmente decentes, mas eles precisam se levantar.”

A fúria no Twitter foi imediata, com #RepublicanVP nos trending topics. Biden seria “inocente”, “traidor”,“ignorante” ao tentar “bajular” republicanos para derrotar Trump. “Eu não terei um vice republicano”, cortou Bernie Sanders.

O democrata Joe Biden. - REUTERS

Uma obviedade falseava a controvérsia: é evidente que Biden não colocaria um integrante do partido de Trump na sua chapa. Eleitoralmente não faz sentido e, claro, faltaria combinar com os republicanos — cuja maioria (53%) acredita que Trump é superior até mesmo a Abraham Lincoln. Mas, ao dizer que “consideraria a ideia”, o recado de Biden era outro: ele rejeita qualquer oposição apriorística a quem está no outro campo. Mais ainda, está aberto a trabalhar com os “decentes”, caso se comportem como tal.

Naqueles segundos, em New Hampshire, estava a melhor resposta à contradição que amarra a oposição nos EUA de Trump, no Reino Unido de Boris Johnson ou no Brasil de Bolsonaro. A base organizada e barulhenta contra os novos populismos está mais à esquerda do que o eleitor médio. Sozinha, porém, serve apenas para fortalecer o status quo (Jeremy Corbyn que o diga). Até onde ir para, mantendo seu grupo político unido, atrair outros setores — sobretudo, os desiludidos do campo adversário — e recuperar o poder?

Biden pode ser um mau candidato, com um plano de governo medíocre. Mas sua resposta a essa pergunta — com a rejeição a tribalismos e aberturas explícitas para fora de seu campo ideológico, ainda que isso seja arriscado dento do Partido Democrata — é, de longe, a melhor. A um mês da primeira eleição primária, em Iowa, teria sido mais fácil, sob a lógica da disputa democrata, rir da ideia e passar para a próxima pergunta da plateia. Mas o risco vale a pena.

Desde a era Clinton, a cifra de democratas que se declaram de esquerda (“liberais”)saltou de 25% a 51%.Mas, nos últimos dez anos, o total de americanos identificados como partido foi de 40% a 28%.Excluindo quem se diz republicano, grupo que votará em massa em Trump, três em cada quatro eleitores se dizem moderados ou conservadores. Só eles podem derrubar o presidente, e é com eles, e não com trumpistas, que Biden tentava dialogar.

O Brasil não tem colégio eleitoral nem bipartidarismo,mas se depara com a mesma encruzilhada. Da esquerda à centro direita antiBolsonaro, o sectarismo é o caminho mais seguro para unir a base mas também a garantia de derrota na luta pelo poder. Há uma escolha a fazer. Se o objetivo for vencer eleições em 2020 e 2022, será preciso fazer política e superar o medo de virar polêmica nos trending topics.

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