Roberto Simon

É diretor sênior de política do Council of the Americas e mestre em políticas públicas pela Universidade Harvard

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Petróleo na Guiana e, agora, no Suriname pode mudar a geopolítica regional

Países vizinhos ao Brasil podem ter reservas com centenas de milhões de barris de óleo

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Pouca gente no Brasil notou o anúncio das petroleiras Total e Apache, na semana passada. Uma joint venture entre as empresas fez uma “descoberta significativa de petróleo” na costa do Suriname —nosso vizinho esquecido, fronteiriço a Pará e Amapá. A reserva pode ter centenas de milhões de barris de óleo, além de mais de 1 trilhão de metros cúbicos de gás, segundo a consultoria Wood Mackenzie.

O valor econômico da descoberta ainda é altamente incerto. Entre encontrar, extrair e comercializar os hidrocarbonetos, o percurso é longo. Mas há uma possibilidade real de nosso vizinho ao norte (cuja população é menor do que a de Sorocaba) viver um boom petroleiro nos próximos anos.

O presidente do Suriname, Desi Bouterse, com Rudolf Elias, diretor da estatal petroleira Staatsolie, após o evento em que foi anunciada a descoberta de reservas no país
O presidente do Suriname, Dési Bouterse, com Rudolf Elias, diretor da estatal petroleira Staatsolie, após o evento em que foi anunciada a descoberta de reservas no país - Ranu Abhelakh-7.jan.20/Reuters

O Suriname não seria o único. A reserva de petróleo encontrada aparentemente integra a mesma formação geológica que transformou a Guiana no novo xodó da indústria de energia. A produção de petróleo guianense começou no mês passado e, segundo o FMI, fará o PIB do país saltar 86% em 2020. Estima-se que, até 2025, a Guiana (com menos habitantes do que João Pessoa) produzirá mais petróleo do que a Venezuela.

Caso se concretize, a emergência, na nossa fronteira norte, de pequenos Estados sentados sobre enormes reservas de óleo e gás será uma das maiores transformações geopolíticas na vizinhança em décadas.

Há várias oportunidades diretas ao Brasil. A indústria nacional pode fornecer parte dos equipamentos para produção de óleo e gás. Uma integração energética com a Guiana poderia reduzir o isolamento de Roraima, hoje fora da rede elétrica brasileira e dependente da Venezuela. A prosperidade dos vizinhos poderia impulsionar economias do norte do país.

Mas há, também, riscos assustadores —por exemplo, um vazamento de óleo na costa da Amazônia. E, como em tantos outros casos mundo afora, a maldição do petróleo pode, a longo prazo, tornar esses países ainda mais pobres e politicamente instáveis.

Com ajuda de agências multilaterais, a Guiana tenta criar do zero um marco regulatório, incluindo um fundo soberano, para evitar que o setor petroleiro valorize o câmbio e destrua o restante da economia (a chamada “doença holandesa”).

No Suriname o jogo é outro: corrupção endêmica. O presidente Dési Bouterse já foi condenado na Holanda a 11 anos de prisão por traficar quase meia tonelada de cocaína. Um de seus filhos está preso nos EUA desde 2015 —além de traficar drogas, Dino Bouterse tentou vender ao Hizbullah uma base de operações no Suriname por US$ 2 milhões.

Dési Bouterse é velho conhecido do Brasil. Seu primeiro governo começou em 1980, quando ele, sargento do Exército, liderou um golpe e aproximou o Suriname de Cuba e da Líbia. A Casa Branca de Ronald Reagan se alarmou com o risco de “cubanização” do país e passou a pressionar o governo João Figueiredo a agir, na base do se-você-não-resolver-resolvo-eu.

Com diplomacia de bastidores, o chanceler de Figueiredo, Ramiro Saraiva Guerreiro, começou a desarmar a crise e, em 1983, o general Danilo Venturini, emissário do presidente, desembarcou no Suriname com um pacote de bondades. Bouterse se “descubanizou” na hora.

Meses depois, Reagan invadiu Granada, no Caribe, em nome da luta contra o comunismo.
A “missão Venturini” foi uma vitória silenciosa, mostra de como o Brasil pode ter um papel estabilizador no jogo geopolítico na fronteira norte. Isso, porém, exige diplomacia e visão estratégica.

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