Roberto Simon

É diretor sênior de política do Council of the Americas e mestre em políticas públicas pela Universidade Harvard

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Roberto Simon
Descrição de chapéu Governo Bolsonaro Coronavírus

Por que Bolsonaro não seguiu Orbán?

Pandemia não contaminou democracia brasileira, por enquanto

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Na Hungria, Viktor Orbán ganhou poderes para governar por decreto, por tempo ilimitado. Até decisões de prefeitos agora passam pelo premiê.

O filipino Rodrigo Duterte, que já se referiu à Constituição de seu país como “pedaço de papel higiênico”, recebeu autoridade para punir quem “espalhar informações falsas”.

Na Turquia de Recep Tayyip Erdogan, centenas de pessoas, incluindo médicos, já foram detidas por postar “provocações” sobre Covid-19. A Tailândia instituiu a censura à imprensa.

Como as democracias morrem? Talvez de coronavírus.

O presidente Jair Bolsonaro durate encontro com apoiadores católicos próximo ao Palácio da Alvorada, em Brasília
O presidente Jair Bolsonaro durante encontro com apoiadores católicos próximo ao Palácio da Alvorada, em Brasília - Adriano Machado - 8.abr.20/Reuters

Mesmo regimes democráticos considerados fortes adotaram, nas últimas semanas, medidas de cerceamento de liberdades que antes seriam impensáveis.

O Parlamento britânico deu ao governo o direito de prender e isolar pessoas indefinidamente —dispositivo batizado de “Poderes de Henrique 8º”, em referência ao monarca Tudor que tutelava o legislativo.

Israel legalizou a vigilância online de todos os seus cidadãos pelo serviço de inteligência interna. E, em um domingo à noite, Binyamin Netanyahu anunciou o fechamento dos tribunais. Incrível coincidência: o premiê estava prestes a ir a julgamento por corrupção.

Há uma pergunta que não está sendo feita sobre o país de Jair Bolsonaro. Por que no Brasil —onde parte do governo é tão saudosista da ditadura, fala tanto em AI-5, em cabo e soldado fechando o STF, bomba atômica caindo no Congresso e em guerra à imprensa— nós ainda não vimos nenhum grande atentado à democracia desde o início da pandemia?

A resposta parece passar por três fatores complementares.

O primeiro, e talvez mais importante, é a fraqueza política de Bolsonaro. Um presidente que nem sequer tem capital para demitir um ministro, como na disputa desta semana com Luiz Henrique Mandetta, é algo inédito na nossa história (o mestre Elio Gaspari recentemente nos lembrou dos casos de Dilson Funaro, Golbery do Couto e Silva, e Sylvio Frota, todos indemissíveis que acabaram dispensados).

O poder de Bolsonaro sobre o Congresso de Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre é quase nulo. STF parece disposto a conter disparates do presidente na pandemia, como mostrou a decisão garantindo a estados o direito de impor isolamento social.

Enquanto isso, a aprovação de Bolsonaro segue estacionada entre um quarto e um terço da população, e cresce a popularidade dos governadores e prefeitos.

O segundo fator tem a ver com a briga que o bolsonarismo decidiu comprar. De Orbán a Netanyahu, nenhum deles tentou convencer a população de que Covid-19 era um “resfriadinho” e de que o isolamento era antipatriótico.

O caminho foi o oposto: imediatamente dar razão aos cientistas, reconhecer a gravidade da ameaça e, então, usá-la para concentrar poder. O terraplanismo sanitário dominou a agenda de Bolsonaro.

Por último, há uma questão subjetiva: o temor da população diante da pandemia. Mundo afora, o medo generalizado tem sido um fator decisivo para impor medidas restritivas, boas e ruins.

O Brasil parece bem menos preocupado, se comparado a outros países —o contraste, por exemplo, com nossos vizinhos sul-americanos é enorme.

Segundo o Datafolha, 33% dos brasileiros querem a imediata reabertura do comércio. Na Colômbia, essa cifra é de 10%; no Chile e Argentina, 5% ou menos.

Esses três fatores formam um equilíbrio instável. Podem rapidamente mudar, sobretudo considerando que o Brasil vive o início da pandemia e da debacle econômica.

O aumento do poder do Estado é necessário para lutar contra o vírus. O enfraquecimento da democracia, no mundo e no Brasil, será uma opção política.

As opiniões expressas acima não refletem necessariamente a posição do Council of the Americas.

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