Roberto Simon

É diretor sênior de política do Council of the Americas e mestre em políticas públicas pela Universidade Harvard

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A ordem global numa máquina do tempo

Covid-19 acelera tendências mundiais adversas ao Brasil

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“Há décadas em que nada acontece, e há semanas em que décadas acontecem”, teria dito Lênin, em meio ao turbilhão da Revolução Russa. No mês passado, completaram-se 150 anos do nascimento do pai-fundador do império soviético, com a frase que lhe é atribuída a ganhar uma estranha atualidade.

Com a Covid-19, décadas aconteceram nas últimas semanas.

Há enorme incerteza sobre a ordem internacional que emergirá ao final da crise que vivemos. Mas vozes distintas –como Dani Rodrik, economista de Harvard, ou Richard Haas, o presidente do Council on Foreign Relations, o mais importante think-tank americano– convergem a um ponto.

Pode-se pensar a pandemia como uma espécie de máquina do tempo. Mais do que criar algo inteiramente novo, a Covid-19 acelerará transformações globais que já estavam em curso.

Premiês de Itália, Giuseppe Conte, e Japão, Shinzo Abe, U.S. presidentes de EUA, Donald Trump, e França, Emmanuel Macron, a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, e os premiês de Canadá, Justin Trudeau, e Reino Unido, Boris Johnson, em reunião do G7 em Biarritz, na França
Premiês de Itália, Giuseppe Conte, e Japão, Shinzo Abe, U.S. presidentes de EUA, Donald Trump, e França, Emmanuel Macron, a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, e os premiês de Canadá, Justin Trudeau, e Reino Unido, Boris Johnson, em reunião do G7 em Biarritz, na França - Ian Langsdon - 26.ago.19/Pool via Reuters

Um exemplo: a incapacidade dos grandes atores internacionais de agirem conjuntamente diante de problemas comuns –do aquecimento global ao comércio, da paz à própria contenção de pandemias.

Falava-se, desde antes, em “crise do multilateralismo” ou em um mundo “G-Zero”, em oposição ao G-7, G-20 e afins.

Devemos ver, agora, a decadência acelerada da ordem liberal que nasceu no pós-Segunda Guerra, e o que virá depois parece mais turbulento.

Uma das grandes causas dessa mudança é a retração global dos EUA, a força hegemônica que sustentou o mundo pós-1945. O poder relativo de Washington segue inconteste, mas ele é bem menor do que já foi. Os EUA representavam metade do PIB global nos anos 50. Hoje, são um sétimo.

Americanos tampouco querem exercer o papel de antes: o "America First" de Trump é o paroxismo de um recuo que vinha pelo menos desde a eleição de Obama, em meio à exaustão com guerras ao terror e outros fracassos globais.

Quem ocupará esse espaço? A China, em parte. Mas, se havia alguma esperança de que essa travessia poderia ser feita sem grandes solavancos, a Covid-19 é um choque de realidade. Estamos no momento de maior tensão entre grandes potências desde o fim da Guerra Fria, com Washington e Pequim embrenhados em disputas comerciais, estratégicas e de modelos políticos.

A Covid-19 deve também ampliar desigualdades dentro e entre países, com a América Latina ainda mais distante dos desenvolvidos. Desde 2014, a região vive seu período de menor crescimento econômico em sete décadas. O vírus chegou no pior momento possível.

O Brasil, por sua vez, nunca enfrentou um momento de reordenamento global em uma posição de tamanha fraqueza. Ao fim da Segunda Guerra, nos sentamos à mesa dos grandes para desenhar as instituições que governariam o mundo.

Quando acabou a Guerra Fria, vivíamos um momento de crise da dívida e inflação, mas criávamos a terceira maior democracia do mundo, com uma visão clara sobre sua vocação global: autonomia e defesa do direito, paz, meio ambiente e integração regional.

O bolsonarismo quer aniquilar esse projeto, enquanto a pandemia cria uma conjuntura cada vez mais adversa ao Brasil.

Mas a resistência ao desmonte cresce –à exemplo do manifesto, publicado na Folha e em outros jornais, de oito grandes formuladores da política externa que serviram em governos diversos.

A reconstrução é o primeiro passo. Uma jornada para dar ao Brasil posição relevante, no novo mundo pós-pandemia, será longa.

As opiniões expressas acima não refletem necessariamente a posição do Council of the Americas.

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