Na Bolívia, um escândalo de compras de respiradores levou à prisão do ministro da Saúde e chacoalhou o governo interino de Jeanine Añez.
Na Colômbia, mais de um terço dos governadores está sob investigação por suspeitas de superfaturamento na aquisição de equipamento médico. Um caso similar teria envolvido o vice-presidente e outras autoridades do Panamá.
No México e na Argentina, empresas misteriosas, pertencentes a gente bem conectada, levaram grandes contratos com agências de saúde.
No Brasil, do Rio ao Pará, governos estaduais enfrentam acusações de fraude —no caso de Wilson Witzel, acompanhadas de um processo de impeachment.
Além da destruição humana e econômica, a pandemia está espalhando pela América Latina escândalos de corrupção. Não foi por falta de aviso.
Ainda em março, organizações como Transparência Internacional, BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) haviam alertado que o vírus criava um cenário de alto risco para desvios e malversação de dinheiro público na região.
Para responder à crise, governos estão sendo forçados a mobilizar, o mais rapidamente possível, enormes recursos em operações complexas —da importação de respiradores a pacotes inéditos de auxílio a cidadãos e empresas.
Mecanismos de controle não foram projetados para operar sob essa pressão. É um terreno perfeito a fraudes e desperdício de dinheiro público.
O que é ainda mais preocupante: a pandemia chegou enquanto os avanços recentes da América Latina na luta contra a corrupção perdem força e, em alguns casos —como o Brasil—, retrocedem.
Pelo segundo ano, realizamos, no Council of the Americas, em parceria com a consultoria Control Risks, o Índice sobre Capacidade de Combate à Corrupção (I-CCC), avaliando o poder das 15 maiores economias latino-americanas de detectar, punir e prevenir o problema.
Em vez de tentar medir percepções, impacto econômico ou níveis de corrupção, olhamos para 14 áreas que formam o ambiente anticorrupção de cada país —da independência e eficiência de tribunais e de agências de combate ao crime de colarinho branco até a qualidade de leis de financiamento de campanha, a regulação de lobby e a força do jornalismo investigativo.
A avaliação é feita usando dados públicos de organizações multilaterais e acadêmicas e por meio de um survey a especialistas em cada um dos países.
Se por volta de 2015 e 2016, a América Latina parecia avançar na luta contra a corrupção, agora a maior parte da região está estagnada. Apenas o Peru melhorou sua pontuação geral desde o ano passado.
O Brasil é um dos casos mais preocupantes, ao lado de Guatemala e Venezuela: a pontuação brasileira caiu 10% desde 2019, ainda que o país permaneça num patamar relativamente elevado no ranking (quarto lugar).
Os problemas brasileiros são conhecidos, como a decisão de nomear um procurador-geral “alinhado” ao governo, nas palavras do próprio presidente, ou as evidências de interferência na Polícia Federal.
A polarização tornou tóxico o debate sobre corrupção. E há um risco estrutural no horizonte: a fragilização da democracia, a base do estado de direito.
A América Latina é o novo epicentro global do vírus e, segundo o Banco Mundial, será a região com a maior contração econômica do mundo.
Provavelmente veremos mais escândalos nos próximos meses, minando a confiança em governos e na própria democracia. Só há uma saída do poço: soluções reais para melhorar a governança, incluindo a retomada da agenda anticorrupção.
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