Ficará a cargo dos historiadores explicar a impressionante inflexão do Carnaval brasileiro nos últimos anos. Por ora, é possível dizer que a festa de rua sobreviveu ao seu primeiro teste de estresse.
Consolidada nos anos 90 com palcos fixos no Rio e em São Paulo, a fase de sambódromos empacotava dinheiro público, contravenção, cervejaria e nudez num produto desenhado para a televisão e para os turistas.
Quem mergulha no arquivo da Folha tem dificuldade de achar registro de festa de rua nas duas cidades até a década passada. A partir daí, o universo dos blocos vai numa crescente até a situação atual, em que é o aspecto dominante da data.
Como se sabe, essa explosão veio acompanhada de reclamações dos moradores que não gostam da folia. No ano passado, os novos prefeitos do Rio e de São Paulo sinalizaram impor limites à festa.
As ruas carnavalescas reagiram, cederam aqui e marcaram posição ali. O batuque se profissionalizou e cavou dinheiro na iniciativa privada —alguns convites de trios já parecem macacões de piloto da F-1 de antigamente. Os blocos de bairro pipocaram entre os paulistanos.
Os grupos de rua saíram fortalecidos e mais cheios, enquanto as escolas de samba, antigo motor da folia, penam com a seca do dinheiro público. É nítida a mudança de tom das prefeituras em relação ao Carnaval. Em São Paulo, João Doria soma tudo e mais um pouco para enfatizar o gigantismo da coisa. No Rio, Marcelo Crivella promete até que vai aparecer na festa desta vez.
Para variar, porém, falta ao poder público cumprir a sua parte. É inaceitável que quem esteja na calçada acabe eletrocutado ou baleado, como ocorreu nos últimos finais de semana nas duas cidades —e é particularmente inacreditável o jogo de empurra em relação ao poste eletrificado de São Paulo. Não dá para esperar que o Carnaval de rua supere também nossa selvageria.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.