Beth Carvalho foi uma, duas, três, quatro mulheres, cada qual dona de uma trajetória impressionante, que nada deveu às homônimas.
Prevaleceu como alcunha a Beth que abriu caminho para tanto nome diferente do dela. Exemplo óbvio chama-se Zeca Pagodinho, o rapaz que um dia apareceu com um cavaquinho na sacola e “Camarão que Dorme a Onda Leva” na garganta, história que já lustraria uma biografia de madrinha.
Não seria suficiente, porém, para compor a biografia de outra Beth, a militante política, que usou o rosto famoso em favor do que acreditava. Ela era capaz de trombar com conspirações da CIA por qualquer canto, mas até quem fizesse troça teria dificuldade em negar a genuinidade de argumentos.
A terceira Beth guardava toda uma expressão de classe. Quando o Clube do Samba surgiu em 1979, no quintal de João Nogueira, saiu dela a voz a resumir aquele movimento cultural: “A discoteca é um ritmo muito mais pobre do que esse que a gente está tocando”. Há dois anos, saltou-lhe a veia crítica: “Samba é papo reto. E esse papo reto não tenho visto mais”.
Injusto seria se essas três Beths eclipsassem a original. Por sorte ela não deu margem a esse risco.
Sua voz deslizou suave como um rolimã por cima de tudo. Cantou o raquitismo do contracheque (“Salário Mínimo”) e a vitalidade da inflação (“Um Saco de Feijão”). Versou sobre regras divinas (“Deus não Castiga Ninguém”) e humanas (“Olho por Olho”). Falou de encontro (“Água de Chuva no Mar”) e desencontro (“1800 Colinas”).
A alma carioca não a desviou de músicas sobre Pato n’Água, sambista de rua do Bexiga, e a mineiríssima goiabada cascão. No disco mais exuberante da carreira, homenageou a Bahia. Abria o show toda de branco e com uma frase retilínea de Jamelão e Tião Motorista: “Quem samba fica, quem não samba vai embora”. Nesta semana, essas Beths resolveram contradizer a letra.
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