Roberto Dias

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Descrição de chapéu Tóquio 2020 skate

O que leva uma criança à elite dos atletas

Livro dá algumas pistas para os pais impressionados com o sucesso de Rayssa Leal

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O famoso vídeo de Rayssa Leal como fadinha do skate é de 7 de setembro de 2015. Lembro-me muito bem desse dia —foi quando meu filho nasceu.

A prata dela aos 13 anos decerto reavivou uma dúvida constante para muitos pais e mães: como e quando apresentar uma criança ao esporte? E, para uma parcela deles, a questão ganha contornos mais dramáticos: seria possível fazer dessa criança uma nova campeã?

Um livro recente dá algumas pistas. “Os Melhores: Como os Atletas de Elite são formados?”, do cientista Mark Williams e do jornalista Tim Wigmore, navega entre algumas das discussões frequentes entre os pais. A obra se concentra mais em identificar “por que eles e como fizeram isso?” do que divulgar um modelo para pais que têm o desejo de transformar seus filhos em campeões. Para isso, recorre a sínteses de estudos e muitos exemplos.

Rayssa Leal disputa o skate nas Olimpíadas de Tóquio - Wander Roberto/COB

Uma questão importante é colocada logo de cara: “Irmãos mais novos tendem a superar seus irmãos e irmãs mais velhos. Se você tem irmãos mais novos, eles são provavelmente melhores no esporte do que você.”

Um estudo no Canadá e na Austrália com 33 modalidades mostrou que atletas de elite têm, em média, 1,04 irmão mais velho, enquanto os não de elite ficam em 0,6. “Os irmãos mais velhos têm um papel importante no desenvolvimento dos atletas. São agentes socializadores, apresentando os mais novos ao esporte. Funcionam como exemplos e como técnicos”, afirma Melissa Hopwood, uma das autoras do estudo com atletas australianos e canadenses.

Mesmo quando dois irmãos chegam ao nível profissional, o mais novo costuma manter boa dianteira. O caso clássico é o das irmãs Williams, com Serena, mais nova, obtendo ainda mais sucesso do que Venus.

O apoio da família, como se imagina, é fundamental. O livro traz a opinião de Robin Russell, consultor de futebol, que observa que quase todos os jogadores, mesmo os de origem extremamente pobre, “ainda têm ao menos uma fonte importante de estabilidade familiar para ajudá-los”.

Mas há uma linha tênue aí, que é evitar que o apoio familiar incorra no problema dos “pais helicóptero”, que tentam resolver todos os problemas para os filhos. O livro relata os achados do psicologista esportivo Dave Collins, que estudou o que separa grandes campeões dos “quase”. A conclusão: “Os pais dos ‘quase’ parecem ter sido muito mais consumidos pela nascente carreira esportiva das crianças”.

Uma observação estatística importante é que cidades menores produzem mais atletas de elite do que metrópoles. Na Grã-Bretanha, os esportistas de ponta estão sobrerrepresentados nas cidades de 10 mil a 30 mil habitantes. Na Alemanha, o auge ocorre na faixa que começa em 30 mil e vai até 100 mil. Nos EUA, no caso do futebol americano, diferentes esportes têm de 10% a 17% de seus esportistas vindos de cidades na faixa entre 50 mil-100 mil habitantes, onde vive apenas 1,1% da população. Uma hipótese levantada na obra é que, em cidades menores, há mais chance de as crianças serem levadas a competir com pessoas mais velhas.

O futebol também é analisado. Dados compilados pelo sociólogo Darko Dukic nas últimas cinco Copas do Mundo mostram que Paris é a metrópole mais representada na competição, com 60 jogadores, 10 a mais do que Buenos Aires, a segunda colocada. Aí entra, dizem os autores, o fator do costume: o “ballon sur bitume” (bola no asfalto) ajuda a desenvolver os talentos. É o que acontece no Brasil, como argumentam a seguir, com a pelada e o futsal.

O livro discute também a regra das 10 mil horas, popularizada pelo escritor Malcolm Gladwell. Segundo ela, 10 mil horas de treinamento podem levar à excelência em qualquer campo. No livro, os autores a tratam como sedutora e simplista, a ponto de resultar inútil. Não há um padrão desse tipo no esporte.

Existe alguma evidência de que habilidades táticas podem ser transportadas entre modalidades, mas não há evidência de que o mesmo ocorra com habilidades técnicas. Os autores apontam que a especialização precoce em determinado esporte pode ajudar em alguns casos, mas embute risco significativo de aumento de lesões, pela repetição. “E em muitos esportes, atletas que se especializaram depois tiveram mais chance de chegar à elite.”

Talentos são identificados cada vez mais precocemente, como se sabe. Mas a performance como criança não serve como boa bússola para o futuro. Na Premier League do futebol britânico, menos de 1 a cada 200 jogadores recrutados antes dos anos 9 por um clube chega à equipe principal.

E, sim, genética tem um peso, afirmam os autores. “Você não pode ensinar um tijolo a flutuar”, lembram.

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