Rodrigo Tavares

Professor catedrático convidado na NOVA School of Business and Economics, em Portugal. Nomeado Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial, em 2017

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Rodrigo Tavares
Descrição de chapéu sustentabilidade

Como reconhecer um fundo ESG?

Com vigilância frouxa, resta-nos apelar ao bom senso para navegar nas finanças sustentáveis

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Não é só no Brasil. Administradores e gestoras de fundos, private banks, fundos de pensão e reguladores estão hesitantes. Alguns desconfiados. Apesar do interesse paulatino do mercado financeiro global por investimentos sustentáveis (que deverão atingir US$ 45 trilhões AUM no final de 2020, de acordo com o J.P Morgan), ainda não foi adotado um standard, universalmente aceito, definindo o que é, de fato, um fundo ESG.

Como o mercado acredita que a captação de fundos ESG é menos difícil, como há muitos clientes que salivam por este tipo de produtos e como sobeja a competição entre casas financeiras, além de pressão da imprensa, a tentação para chamar égua a um jumento é, muitas vezes, irrefreável.

No Brasil, nenhum regulador determinou o que caracteriza um fundo ESG. Em teoria, como referiu à coluna o advogado Alexei Bonamin, sócio da TozziniFreire, “a CVM tem condições para mandar retificar o regulamento do fundo caso o termo ESG seja usado de forma questionável, mas isso nunca aconteceu.” Assim, até que continuemos despidos de normas, qualquer gestora poderá, sem riscos maiores, autodeclarar na política de investimento que o seu fundo é ESG.

Cartógrafos medievais descreviam territórios desconhecidos como hic sunt dracones (“aqui há dragões”). Mas na cartografia das finanças sustentáveis é possível, apesar da ausência de padrões universais e de normas brasileiras, separar criaturas mitológicas de criaturas reais. Alguns parâmetros e boas práticas permitem que se reconheça um fundo ESG, mesmo que esta designação seja mais gradativa do que binária.

O critério mais eficiente é: não olhe para o fundo, olhe para a gestora. E faça pelo menos cinco perguntas: a gestora integra sistematicamente políticas, práticas e dados ESG em decisões de investimento para melhorar o perfil de risco/retorno do portfólio (e o processo é abrangente, robusto, qualitativo e quantitativo, repetível e aplicado de forma consistente)? Analisa a materialidade de dados ESG antes e depois dos investimentos? Tem um envolvimento ativo com as empresas do portfólio (voto, engajamento e/ou diálogo sobre políticas)? Contabiliza e gere os impactos positivos e negativos causados ​​na sociedade e no meio ambiente por seus investimentos? Divulga publicamente como gere riscos financeiros e não financeiros (incluindo climáticos)?

Se uma gestora integra práticas ESG, necessariamente os fundos que gere serão também ESG. No Brasil, apenas uma mão cheia de gestoras encaixa nestas características. Mas os fundos ESG já são cerca de 20. E o número deverá crescer de forma muito significativa em 2021.

Se usarmos apenas a composição do fundo como amostra de laboratório, negligenciando a gestora, corremos o risco de fazer inferências erróneas sobre o perfil ESG do ativo. Poderemos entrar no campo da folia classificatória, da obra autoral, da verdade partilhada apenas entre os pares.

Nesse cenário, tanto pode ser ESG um fundo que investe em empresas com baixos padrões de sustentabilidade (para tentar influenciar positivamente a gestão das empresas ou para buscar oportunidades de alpha ESG), quanto um fundo que aporta capital em empresas com altos níveis de sustentabilidade corporativa, mas que produzem bens que geram impactos negativos para o meio ambiente (como empresas de aviação ou de gás de xisto).

Na mesma medida, tanto pode ser ESG um fundo de índice (ETFs) que possui ativos considerados ESG na composição de suas carteiras teóricas, quanto um fundo tradicional que ganhou o selo ESG do dia para a noite, para atender à expetativa de algum potencial investidor.

Para auxiliar na detecção de um fundo ESG, há outras ferramentas úteis. Pelo menos na Europa, são vários os selos e certificados que atestam a qualidade ESG do fundo e da gestora (LuxFLAG ESG, FNG, ISR ou o Quality Standard da Febelfin). Além disso, caso uma gestora seja membro do PRI também é possível acessar as avaliações da sua performance ESG (que variam de A+ a E). Organizações como a britânicas MainStreet ou ShareAction também têm muita experiência na avaliação e pontuação de fundos ESG (com notas de 0-5) ou de gestoras ESG (de AAA a E). Ademais, há cerca de uma dezena de prémios relevantes no setor, como os PRI Awards ou o ESG Investing Awards.

Para organizar o mercado, os reguladores brasileiros não podem ceder à tentação de criar uma categoria específica de fundos de investimento ESG. Na verdade, a atual classificação da CVM de “fundo de ações sustentabilidade/governança” deveria ser eliminada porque todos os tipos de fundos (de ações, de renda fixa, imobiliários, multimercados etc.) podem integrar práticas ESG e de sustentabilidade.

O Reino Unido trilha um caminho que poderá servir de inspiração ao mercado brasileiro. Está em andamento um programa de 5 anos do governo britânico, da City de Londres e da British Standards Institution (BSI) para “desenvolver padrões consensuais e com relevância global sobre finanças sustentáveis”. Faz parte do projeto definir o que é uma gestora/fundos ESG e exportar essa definição globalmente por intermédio da Organização Internacional de Normalização (ISO).

O BC, a CVM e a ANBIMA deveriam prestar atenção. Mas as gestoras brasileiras também. A inexistência de regulamentação adequada não as exonera de responsabilidade.

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