Rodrigo Tavares

Professor catedrático convidado na NOVA School of Business and Economics, em Portugal. Nomeado Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial, em 2017

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Rodrigo Tavares
Descrição de chapéu sustentabilidade

Quanto vale a sua empresa?

Mais de 30 companhias estão na fila para abertura de capital na B3; mas e se estivermos adotando fórmulas incorretas para determinar o seu valor de mercado?

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Diretores financeiros em Ribeirão Preto e em Paris utilizam a mesma metodologia de contabilidade. Desde a década de 1970, mais de 160 países já adotaram os padrões IFRS (no Brasil desde 2010). Como uma partitura musical, as demonstrações financeiras são entendidas da mesma forma por profissionais do mercado, independentemente da geografia. A forma como estimamos o valor de uma empresa baseia-se nestes padrões.

Mas e se estivermos errados?

Nas faculdades de economia começam-se a testar outros modelos de contabilidade que pressupõem medir também o impacto das empresas no meio ambiente, nos empregados e nos consumidores. Afinal de contas, todas as empresas geram externalidades positivas e negativas. Tanto são capazes de emitir CO2 quanto de oferecer condições de trabalho flexível para mães —estimulando a produtividade, a atração e retenção de talentos. Estes impactos têm um valor financeiro e econômico. Não mensurá-los significa ter uma visão inacabada do valor de uma companhia.

Gabriel Cabral/Folhapress

Desde 2019, a Universidade de Harvard, por intermédio da Impact-Weighted Accounts Initiative, lidera este processo, monetizando os impactos das companhias e criando novos padrões contábeis. Recentemente anunciaram, por exemplo, que a falta de profissionais do sexo feminino na Dell, juntamente com outros problemas de RH, amputaram US$ 3,1 bilhões (R$ 15,8 bilhões) do potencial valor da companhia.

Outros players caminham na mesma direção. A Clarity, uma empresa espanhola de software, contabiliza o impacto social e ambiental de 25 mil empresas listadas, de quase 200 países, através de algoritmos de Machine Learning.

Esta nova forma holística de contabilizar o valor de uma empresa tem muitas consequências práticas. Em primeiro lugar, ajudará os investidores a definir onde aportar capital e os consumidores a decidir o que comprar.

Dois exemplos concretos. Para uma consumidora mulher, perante duas passagens aéreas com o mesmo preço, é irrelevante saber que o valor atual de mercado da Iberia é US$ 3,3 bilhões (R$ 16,8 bilhões) e o da Lufthansa é US$ 5,7 bilhões (R$ 29,1 bilhões). Mas e se perceber que a companhia espanhola é a que gera mais valor (para a companhia e para a sociedade) por intermédio de políticas de diversidade de género? E que a própria consumidora pode ser impactada por estas políticas?

Investidores também terão acesso a mais dados matemáticos para tomar melhores decisões. Será possível tanto contabilizar o valor gerado pelo corte dos planos de saúde de funcionários (visão financeira tradicional), quanto o valor gerado se a empresa investir em saúde preventiva e em segurança laboral (mensuração de impacto).

Empresas que demonstrem geração de mais valor social ou ambiental também deverão ter acesso a crédito bancário mais barato e a apoios tributários. Nos EUA, o Ministério do Trabalho federal já oferece deduções fiscais a empresas que empreguem ex-detentos penitenciários. Os custos da integração são menores do que os custos de uma eventual reincidência.

Contabilizar o valor financeiro do impacto de uma empresa no meio ambiente, nos empregados e nos consumidores (por intermédio dos seus produtos e serviços) irá também ajudar a sistematizar o desarmônico mercado ESG. A jornada das empresas e dos investidores em direção à sustentabilidade é imparável, mas os caminhos para lá chegar são retorcidos. Tal como o romance de Saramago de 2002, há muita duplicação e falta de ciência no mercado ESG –os acrônimos, as agências de rating não auditadas, as metodologias de investimento, os produtos.

Mas, no futuro próximo, é bem possível que surja um consenso em torno de duas ideias simples. Para conhecermos uma empresa, além de dados financeiros puros (padrão IFRS), precisamos de inventariar holisticamente todo o seu perfil ambiental, social e de governança corporativa. Importante: isto inclui tanto as suas estratégias e operações quanto os seus múltiplos impactos, seja no meio ambiente, na sociedade ou dos seus produtos ou serviços nos consumidores. Estes dados precisam de ser coletados, tratados e reportados com coesão interna e de acordo com um único padrão.

Na sequência, estes dados serão utilizados matematicamente com dois objetivos: auferir risco –riscos ESG juntar-se-ão a outros fatores de riscos, como de mercado, de moeda, de liquidez, de inflação etc.– e contabilizar o valor contábil de uma empresa –impactos sociais e ambientais somar-se-ão a vários dados financeiros.

Criar estas metodologias é um processo altamente complexo. Mas só assim atingiremos uma certa simplicidade e previsibilidade –condição para que o mercado empresarial e financeiro olhe para temas de sustentabilidade como indispensáveis.

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