Rodrigo Tavares

Professor catedrático convidado na NOVA School of Business and Economics, em Portugal. Nomeado Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial, em 2017

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Rodrigo Tavares
Descrição de chapéu sustentabilidade

2021, o ano da bomba atômica jurídica

Operadores do mercado financeiro europeu terão que explicar como integram questões ESG a partir de março; para quando semelhante medida regulatória no Brasil?

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Em 2018 a UE (União Europeia) lançou o seu “Plano de Ação: Financiar um Crescimento Sustentável” com o objetivo titânico de persuadir o mercado financeiro a contribuir para as prevenção das alterações climáticas. Nem governos, nem ambientalistas, nem cientistas têm a capacidade coercitiva necessária para que empresas emitam menos carbono. Assim, a UE lançou um novo pacote legislativo que entrará em vigor este ano. Todos os participantes do mercado financeiro ("wealth managers", gestoras de fundos, companhias de seguros, fundos de pensão) serão afetados pela nova regulamentação.

Estranhamento, muitos deles prepararam-se mal para o terremoto jurídico. O brexit e a pandemia atrapalharam os preparativos. Mas, recentemente, a UE reforçou que não iria alterar o cronograma. E ao começar 2021, o mercado europeu acordou ansioso. Será um ano em que ESG sairá das mãos dos diretores de sustentabilidade, dos CFOs, dos "portfolio managers", dos diretores de comunicação e chegará de rompante aos departamentos jurídicos.

Bandeiras da União Europeia em Bruxelas, Bélgica - François Walschaerts/AFP

Para começar, a partir de março de 2021, todos os participantes dos mercados terão que comunicar publicamente como incorporam riscos ESG na tomada de decisões de investimento e como estimam os impactos negativos para a sociedade e o meio ambiente das suas alocações. Terão também que informar qual é a metodologia ESG utilizada. Isto terá que ser feito tanto em nível das gestoras quanto dos produtos, enterrando-se o princípio, muito comum no Brasil, de que gestoras alheias às finanças sustentáveis possam gerir produtos ESG. Tudo isto está previsto no novo Regulamento de Divulgação de Informações sobre Finanças Sustentáveis (em inglês, SFDR).

Este ano também será alterada legislação existente, como é o caso das diretivas MiFID II (inicialmente criada em 2008 para restaurar a confiança dos investidores nos mercados financeiros após a crise financeira), UCITS (direcionada a organismos de investimento coletivo em valores mobiliários) ou AIFMD (focada em gestores de fundos de investimento alternativos, como de imobiliário, private equity e multimercado). Com as revisões, ESG passará a fazer parte da estrutura óssea de todos os operadores do mercado financeiro europeu.

Estas medidas legais só serão diretamente aplicadas ao mercado financeiro europeu. Porém, impactarão também produtos de gestoras brasileiras domiciliados na UE ou casas financeiras brasileiras que gerem capital de investidores institucionais europeus.

Ana Luci Grizzi, sócia da Veirano Advogados, em entrevista à coluna, diz não ter dúvidas de que “o novo pacote legislativo europeu vai gerar um efeito de cascata e impactar as gestoras de ativos brasileiras devido às transações internacionais.” Segundo a especialista, a atual legislação brasileira ESG “está entre 5 a 8 anos atrasada relativamente à europeia.” Em 2021 e 2022, o mercado financeiro brasileiro terá que fazer um duplo twist carpado para se ajustar ao novo quadro jurídico internacional.

Por isso não se entende porque os reguladores brasileiros andam distraídos. A CVM lançou recentemente duas audiências públicas –uma voltada para ampliar a divulgação de dados ESG de companhias abertas (instrução 480) e a outra sobre a regulação de fundos de investimento em direito creditórios (FIDCs) como originadores de impacto socioambiental– mas o enfoque regulatório deveria estar centrado, sobretudo, nas gestoras e não nos produtos.

Sem regulamentação apropriada, o mercado ESG no Brasil nos remete à pré-Roma Antiga quando a lei era transmitida por via oral, sujeita a tradições locais e a interpretações pessoais. Sem a clareza da lei, qualquer gestora no Brasil e a maioria dos fundos poderão continuar a autodeclarar-se ESG. O “dura lex, sed lex” romano ainda não chegou ao país.

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