Rodrigo Tavares

Professor catedrático convidado na NOVA School of Business and Economics, em Portugal. Nomeado Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial, em 2017

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Rodrigo Tavares

O Tabu das Empresas

Pode uma empresa ser considerada 'sustentável' quando tudo faz para pagar menos impostos?

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Otimizar a carga tributária de uma empresa significa diminuir o total de impostos com o intuito de melhorar a sua performance financeira. Há quem batize a prática de “elisão fiscal” ou “planejamento tributário lícito”.

É uma técnica recorrente, ensinada em livros de Direito e Administração, e aplicada por corporações de todos os portes e em todos os países. Havendo caminhos alternativos, todas as empresas optam por aquele em que se pague menos tributos, dentro dos redutos da lei. É, na verdade, visto como um indicador de qualidade de gestão e profissionalismo.

Simultaneamente, as empresas têm caminhado em passo acelerado em direção à sustentabilidade. São vários os motivos: ou porque querem se proteger contra riscos sociais ou ambientais, ou porque buscam na sustentabilidade uma oportunidade de inovar e de lucrar, ou porque tencionam gerar impactos positivos na sociedade ou no meio ambiente.

Não são estes dois caminhos contraditórios?


Em 2012 a Jerónimo Martins, a maior cadeia portuguesa de supermercados mudou a sua sede social para Amsterdã. O lucro continuou sendo obtido em Portugal, mas a empresa passou a ter menor carga fiscal, depois de aderir ao regime holandês.

O Primeiro-Ministro António Costa alertou para o “problema grave de distorção e lealdade na concorrência." No ano seguinte, o relatório de sustentabilidade da empresa salientava que a sua missão é contribuir “para o desenvolvimento sustentável das regiões onde opera.”

A Jerónimo Martins é a 7ª empresa mais sustentável entre as 180 do setor do retalho alimentar avaliadas pela Sustainalytics, uma agência de rating ESG.

A Apple, Facebook e Google deslocaram as suas sedes europeias para a Irlanda, um país que tem um dos patamares de tributos corporativos mais baixos entre países industrializados -- 12,5% (34% no Brasil e 21% em média na União Europeia). As vantagens econômicas recebidas especificamente pela Apple, que através de acordos customizados chegou a pagar apenas 0.005% em impostos, foi considerada ilegal pela União Europeia. Em 2016 o bloco europeu decidiu que a Irlanda tinha de receber 13 bilhões de euros em impostos em atraso, mais juros (entretanto a Apple recorreu e venceu).

Os impostos que a Apple não pagou seriam suficientes para comprar 1,9 bilhão de vacinas da Johnson & Johnson contra a Covid-19; para cobrir o orçamento de educação da cidade de São Paulo durante 5 anos ou o investimento público da Irlanda em cultura –a terra de Beckett, Yeats, Wilde e Joyce– por 32 anos.

O pentástico tecnológico composto por Apple, Facebook, Microsoft, Amazon e Alphabet –todas elas conhecidas por suas engenharias tributárias– corresponde às cinco maiores posições do consagrado S&P 500 ESG Index, um índice de ações que junta empresas que cumprem critérios de sustentabilidade.

Relatórios, certificações, prêmios, índices ou ratings que contabilizam a performance ESG de empresas certamente examinam se estas pagam os seus impostos. Mas geralmente não tomam em consideração se uma companhia tudo fez para pagar menos tributos, gerando menos recursos ao erário público.

É tecnicamente ardiloso inferir qual o valor não pago em impostos por intermédio da “otimização da carga fiscal”. Segundo o IMF, apenas com o uso de paraísos fiscais (uma das ferramentas legais entre muitas outras para pagar menos impostos) os cofres públicos deixam de receber entre US$ 500-600 bilhões anualmente das empresas.

Eu concordo que o casamento entre empresas e a sustentabilidade deverá ser maximizado até ao limite máximo do desempenho financeiro. As empresas não se devem substituir ao Estado na aplicação de recursos para mitigar desafios sociais se isso não beneficiar, diretamente ou indiretamente, a sua viabilidade financeira.

Mas ao abdicarem de pagarem mais impostos o setor privado está a dificultar o desenvolvimento do ambiente que ajudaria ao seu crescimento econômico. Mais investimentos públicos em educação estimulariam naturalmente a produtividade e o consumo a longo-prazo. Injeções públicas de capital em infraestrutura proporcionariam um melhor ambiente logístico que impactaria positivamente o negócio das empresas.

Este é um tema tabu porque todas as empresas (incluindo as que outorgam ratings de qualidade ESG) querem diminuir a sua carga fiscal. Também é um assunto que facilmente resvala para o maniqueísmo político entre a direita e a esquerda. E há também que ter em consideração que nem sempre uma maior contribuição fiscal se traduz em melhores serviços públicos, principalmente em países feridos por ineficiências, burocracias ou corrupção.

Mas isso não nos deve impedir de assinalar a insinceridade entre o discurso corporativo do impacto social e a prática tributária. A estória infantil “A Roupa Nova do Rei”, do escritor dinamarquês Hans Christian Andersen, também se aplica à sustentabilidade.

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