Desde que foi criado em 2002, o TPI (Tribunal Penal Internacional), com sede em Haia, na Holanda, já indiciou criminosos como Omar al-Bashir, atual presidente do Sudão, e Muammar Kadhafi, ex-presidente da Líbia.
Sua competência é julgar pessoas por crimes de agressão, genocídio, guerra ou contra a humanidade, substituindo tribunais nacionais que não tenham recursos ou vontade de julgar determinados atos criminosos. O Brasil promulgou a adesão ao TPI em 2002, por meio do decreto 4388.
As quatro áreas específicas de intervenção do TPI são resultado de uma feroz discussão política entre estados-membros. Ainda hoje, por exemplo, o TPI não tem autoridade para julgar crimes associados ao terrorismo internacional por falta de consensos políticos relativamente à própria definição de “terrorismo.”
Apesar destas provações técnicas, o TPI poderá expandir o seu cardápio de atuação e incluir o crime que resulte em destruição em massa, sistemática ou generalizada de ecossistemas e do ambiente –conhecido popularmente como “ecocídio”.
Há dezenas de ano, um outro tribunal —o Tribunal Internacional de Justiça, vinculado à ONU e com mandato para julgar Estados– vinha tentando criminalizar a destruição do meio ambiente. Mas sem sucesso. Também na década de 1990, em meio às negociações sobre a jurisdição do futuro TPI, o crime contra o ambiente foi debatido, mas acabou sendo descartado.
Este cenário poderá ser alterado. Com apoio de ONGs como a Stop Ecocide Foundation, que é apoiada pela ativista sueca Greta Thunberg, de juristas e juízes internacionais —Florence Mumba e Philippe Sands—, de parlamentares suecos e do governo de alguns países como a França, Vaticano, Bélgica, Vanuatu e Maldivas, poderá ser aprovada nos próximos anos uma alteração aos estatutos do Tribunal Penal Internacional.
Para isso será necessário recolher o apoio de uma maioria de 2/3 dos Estados Partes (82 países, sem poder de veto). Já em junho, este grupo de especialistas fará uma proposta oficial para revisar os estatutos do TPI e apresentará uma definição de ecocídio, que se espera prática e eficaz.
Para prever os possíveis desdobramentos no TPI é preciso prestar atenção a um recente e silencioso movimento no Parlamento Europeu.
Em março, o comitê de assuntos jurídicos aprovou um relatório de 9 páginas— 2020/2027(INI))— que determinou que ações legais internacionais se justificarão em “casos extremos” de poluição e destruição ambiental. Estas medidas deverão ser aprovadas em sessão plenária nas próximas semanas, apesar da resistência da direita (conservadores e reformistas europeus) e da extrema direita.
Segundo Alberto Alemanno, professor especializado em direito da União Europeia na HEC Paris (Escolas de Altos Estudos Comerciais de Paris), a melhor escola de negócios europeia segundo ranking do Financial Times, esta movimentação do Parlamento Europeu reflete a ideia de que “a destruição ambiental é um problema global: muitos desastres ambientais afetam vários países.”
Até ao momento, porém, o direito internacional tem se mantido afastado desta questão deixando que a litigação seja apenas nacional.
Nos bastidores, o nome do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem sido usado como isca para a causa do ecocídio. Em entrevista exclusiva à coluna, o professor italiano destaca que o presidente brasileiro “oferece aos defensores do ecocídio um exemplo vivo e perfeito dos motivos pelos quais o ecocídio deve ser urgentemente reconhecido pela comunidade internacional. Ao falhar 'deliberadamente' na proteção do meio ambiente, Jair Bolsonaro poderá ser responsabilizado por seus erros perante o TPI.”
Curiosamente, o site da iniciativa para transformar o ecocídio em crime internacional tem uma versão em português.
Apesar do entusiasmo europeu, a criminalização internacional da destruição ambiental tem dificuldades congênitas. O TPI só pode julgar indivíduos (e não empresas ou Estados) e, em crimes ambientais, é difícil identificar a intencionalidade do ato.
O rompimento das barragens de Mariana e de Brumadinho, em 2015 e 2019, por exemplo, não foi um ato propositado.
Além disso, Alemanno alerta para a “natureza antropocêntrica do TPI”. O tribunal poderá estipular a gravidade do dano ambiental de acordo com o efeito negativo que causa a seres humanos em vez de contabilizar, sobretudo, os impactos adversos nos ecossistemas ambientais.
O adensar das discussões para formalizar o crime de ecocídio poderá servir de elemento dissuasor para empresários e governantes que tratam o meio ambiente de forma delinquente. Na prática, nada impedirá o TPI de julgar criminosos que cometeram ecocídio mesmo antes deste crime ser formalizado pelas instâncias penais internacionais.
“É apenas uma questão de tempo até que os governos e seus líderes sejam levados à justiça internacional por ecocídio”, diz Alemanno.
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