Rodrigo Tavares

Professor catedrático convidado na NOVA School of Business and Economics, em Portugal. Nomeado Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial, em 2017

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Rodrigo Tavares

A primeira derrota de Bruno Covas é uma lição de liderança

Em 2011 e 2012 o então Secretário Estadual preparou um ambicioso plano paulista de desenvolvimento sustentável, e o desfecho foi inesperado

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Bruno Covas tomou posse como Secretário de Estado do Meio Ambiente no dia 1 de janeiro de 2011. Geraldo Alckmin havia vencido o senador petista Aloizio Mercadante em primeiro turno e escolheu o jovem Bruno —neto do seu sacrossanto mentor e duplamente eleito deputado estadual (em 2006 e 2010)— para comandar uma área que ainda não dominava. Tinha 30 anos.

Em novembro de 2011, Bruno e eu, que na altura administrava as relações internacionais do governo estadual, conversamos pela primeira vez sobre a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, conhecida também como Rio+20, numa pequena sala do Palácio dos Bandeirantes, anexa ao gabinete do governador. Era o principal evento internacional na área do meio ambiente daquele ano.

Tinha uma risada espaçosa, proporcional ao seu porte corpulento. Os seus jeitos ainda eram juvenis e a sua vivacidade ainda não tinha sido podada pelas adversidades do cargo. Mas Bruno carregava naqueles ombros, escondidos debaixo de um terno de cores claras que gostava de vestir, um sentimento de responsabilidade e de dever fiduciário. Disse-me que queria deixar uma marca. Disse-me que estava estudando os temas ambientais. Disse-me que gostava de trabalhar em equipe.

Dessa conversa, entre dois quase estranhos, nasceu o compromisso de trabalharmos juntos para que o governo apresentasse uma proposta ambiciosa na Rio+20, que seria realizada em junho de 2012. Tínhamos 8 meses à nossa frente.

Dez anos antes, São Paulo havia apresentado uma proposta em energias renováveis que foi ponto central na Conferência de Johanesburgo, a Rio+10. As expetativas eram, por isso, altas.

Durante esses 8 meses, o governo fez aparentemente tudo o que deveria ser feito. Foi um manual de ciência política. Consciente dos artifícios internos e das pelejas egotistas da atividade governativa, Bruno sugeriu criar, em decreto, um Grupo de Trabalho (GT) com o objetivo de organizar a participação do governo estadual na Rio+20, a ser coordenado pela Secretaria de Meio Ambiente e pela Assessoria Especial de Assuntos Internacionais (atualmente Secretaria de Relações Internacionais). Publicado em 16 de dezembro de 2011, o objetivo era claro: ordenar responsabilidades e definir lideranças.

Nas conversas iniciais, juntamente com o governador, decidiu-se que o governo iria ao Rio de Janeiro apresentar um plano estadual de desenvolvimento sustentável, com metas até 2020. Sabíamos que o plano não poderia ser desenhado por apenas alguns funcionários palacianos para ser implementado, posteriormente, por servidores desempossados nas secretarias de estado. Teria que ser um plano de todos, não apenas de alguns. Para arrolar o resto do governo na missão, foram organizadas várias reuniões do GT com representantes das cerca de 20 secretarias de estado, ao longo de muitos meses. Todas foram estimuladas a apresentar metas que foram discutidas internamente e tricotadas ao longo de meses numa tapeçaria que tinha um grau equilibrado de ambição e exequibilidade.

Bruno me contava que andava animado com a forma como as nossas equipes, juntamente com o resto do governo, se tinham empenhado. Ele confiou integralmente nos especialistas ambientais da sua secretaria, liderados por Oswaldo Lucon, atualmente Coordenador Executivo do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima, para ir moldando o plano.

Germinou também do Bruno a ideia de convidarmos personalidades da sociedade civil para recolhermos suas visões sobre a primeira versão da estratégia estadual. Organizamos a 10 de abril, a dois meses da Rio+20, um encontro no Palácio dos Bandeirantes com a presença de cerca de 30 pessoas, incluindo José Goldemberg, Rubens Ricupero e Fabio Feldmann. Bruno e o então vice-governador, Guilherme Afif, presidiram à reunião. Foi de Ricupero a sugestão de que o ambicioso plano São Paulo deveria fazer frente às metas magras do governo federal.

No dia 4 de junho à noite, Bruno e eu apresentamos empolgados os detalhes da estratégia ao governador. A reação não foi a esperada mas, ainda assim, no dia seguinte, é finalmente publicado o Decreto 58.107 que institui a Estratégia para o Desenvolvimento Sustentável do Estado de São Paulo 2020 e que apresentava “metas setoriais que definirão a ação do Governo do Estado de São Paulo até 2020.”

Dentre os principais compromissos do Governo, destacavam-se: (1) aumentar, até 2020, a participação de 55% para 69% de energias renováveis no consumo final de energia do Estado, (2) atingir, até 2020, 20% do território paulista com cobertura vegetal, e (3) reduzir 20% da emissão de dióxido de carbono, tendo por base o ano de 2005. No total eram 40 metas, devidamente debatidas ao longo de meses.

A escolha da data foi explícita. Dia 5 é o Dia Mundial do Meio Ambiente. Foi também nesse dia que foi organizado um pequeno evento público no Palácio dos Bandeirantes para apresentar o plano estadual. O discurso de Bruno foi enfático. O de Alckmin comedido.

No dia 19 embarquei com Alckmin para o Rio de Janeiro. Outros secretários estaduais já estavam no Rio. Bruno e o governador tinham agendas cheias. Bruno participou em eventos paralelos das redes de governos subnacionais The Climate Group e nrg4SD e a sua secretaria montou o estande do Estado de São Paulo no Parque dos Atletas. No dia 18 à noite, Bruno apresentou informalmente o plano estadual a Achim Steiner, então presidente do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), que ficou impressionado, disse-me Bruno. Durante o evento, o governador também teve inúmeros encontros bilaterais, além de ter participado das aberturas oficiais da Rio+20 e da Cúpula Mundial de Estados e Regiões da Rio+20.

Mas em nenhum momento o governador apresentou publicamente a Estratégia. Algumas metas foram frisadas e alguns anúncios técnicos foram feitos (como a assinatura de um contrato de financiamento com o BNDES para o prolongamento da Linha 2-Verde do Metrô), mas o plano estadual não foi cabalmente apresentado. Para conter os danos reputacionais, Bruno tentou fazer referência à nova Estratégia paulista nas intervenções públicas setoriais que realizou. Eu também pedi à equipe de comunicação do governo para manter o press release de divulgação do novo plano estadual, preparado dias antes. Mas tudo se perdeu na incontinência de anúncios e intervenções de tantos outros governos e países.

No regresso a São Paulo, a estratégia paulista foi transportada, já cadáver, no porão do avião. Desmembrado entre a lealdade ao topo e a vergonha perante a base, Bruno acabou aceitando a decisão de não ter visto o seu plano defendido publicamente ao mais alto nível. Foi a primeira grande derrota de Bruno Covas como membro do governo.

Nunca soubemos as verdadeiras razões do desfecho. Especulava-se que o governador tinha decidido, sozinho, não apresentar um plano ambicioso que pudesse confrontar Dilma Rousseff em um momento em que estavam sendo negociados vários pacotes de apoio ao estado. Foi uma decisão tática e sagaz, disseram muitos. O manual de ciência política que seguimos não nos guiou pelos intangíveis, os inesperados e os inconscientes da atividade política. "Enquanto não formos nós a liderar temos que seguir", disse-me sem graça semanas depois.

Anos mais tarde pode finalmente liderar. E foi como prefeito que Bruno lançou, com desafogo e a poucos meses do final da sua vida, o seu Plano de Ação Climática da cidade de São Paulo.

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