Rodrigo Tavares

Professor catedrático convidado na NOVA School of Business and Economics, em Portugal. Nomeado Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial, em 2017

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Rodrigo Tavares
Descrição de chapéu Folha ESG sustentabilidade

Sim, investimentos em empresas de tabaco, mineração e petróleo podem ser sustentáveis

Excluir estes setores dos portfólios pode revelar uma visão de curto prazo

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Na semana passada, Jacek Olczak fez um apelo ao governo britânico para que seja banida a venda de cigarros em até 10 anos. Os “cigarros devem ser vistos como carros a gasolina, pelo que devem ser proibidos a partir de 2030.” Jacek Olczak não é médico. Também não é um ativista dos direitos humanos. É o novo CEO da Philip Morris International, a maior empresa de tabacos do mundo, que gradualmente está se transformando numa companhia de cuidados de saúde e bem-estar.

Este ano, a BP anunciou também um plano para aumentar em 10 vezes o seu investimento em energia de baixo carbono, para US$ 5 bilhões (R$ 26 bilhões) por ano até 2030, elevando sua capacidade de energia renovável para 50 gigawatts (em 2019 era de 2,5 GW). Total, Shell, Galp, Equinor, Chevron —a maioria das petroleiras entrou no túnel da sustentabilidade e da transição energética.

Certamente que o core business destas empresas continuará a ser a extração e/ou o refino de petróleo. E sê-lo-á por mais algumas décadas. Alguns destes anúncios também só servem para reagir a expetativas transeuntes do mercado e vão se diluir na torrente de estatísticas. Mas é inegável que algumas delas, mesmo as de porte imperial, estão se transformando para se tornarem empresas de energia limpa.

Muitos dirão que a conversão das empresas de tabaco ou de petróleo está sendo facilitada pelo emagrecimento do mercado consumidor (por exemplo a International Energy Agency estima que a demanda de petróleo atingirá o seu pico já em 10 anos, iniciando-se posteriormente o declínio do consumo). Assim, os incentivos para mudar de rota superam as vantagens do apego ao tradicionalismo. É verdade. E a adaptabilidade é a mais enfastiosa recomendação de qualquer livro best-seller de gestão de empresas.

Plataforma de petróleo no mar, com cidade ao fundo
Plataforma de petróleo ancorada na baía de Guanabara, no Rio de Janeiro - Ricardo Borges-7.set.2018/Folhapress

Com empresas de mineração o cenário é diferente. A demanda por alguns metais —usados em processadores de computadores, smartphones, painéis solares ou baterias— está aquecida e as margens são expressivas. A sustentabilidade não é vista como um realinhamento com o mercado ou com a rentabilidade, mas como uma inconveniência. Um estudo de 2021 da White & Case mostrou que 45% dos executivos da indústria de mineração consideram que ESG representa o principal risco do setor.

Ainda que sejam poucas as mineradoras que se estão a desminerar, são cada vez mais aquelas que têm sido obrigadas a ajustar procedimentos internos. O ano passado, o CEO global da Rio Tinto perdeu o emprego depois da empresa ter destruído um local sagrado para os aborígenes (Juukan Gorge). O papel da ACCR, um investidor ativista, foi fundamental para que a mineradora adotasse novas práticas de proteção das comunidades locais e preservação de patrimônio público. A pressão de investidores tem sido importante para que as atividades extrativistas sejam realizadas de forma mais responsável.

Não há nenhuma grande empresa multinacional em setores que geram impactos negativos para a sociedade ou para o meio ambiente que não esteja refletindo sobre o seu modelo de negócios a longo-prazo. Para algumas a reflexão é rasa e apressada. Mas há certamente quem esteja preocupado com a sobrevivência das suas empresas e tenha iniciado uma longa jornada de transformação de cultura, de estratégia, de operações e de produtos.

Nessas, os investidores ESG devem investir, para apadrinhar a mudança. Nas outras eventualmente também, se houver, por parte do investidor, um compromisso irresoluto para acelerar a agenda da sustentabilidade. Foi isso que aconteceu em maio deste ano, quando um pequeno investidor (Engine No.1), que alocou apenas US$ 40 milhões (R$ 208,3 milhões), conseguiu que especialistas em energias renováveis entrassem como membros do board da ExxonMobil.

Investidores brasileiros olham para estes setores nocivos de diversas formas. A maioria desconsidera a sustentabilidade em proporção inversa à valorização do curto-prazismo. Outros, para sacudir a culpa, justificam o investimento afirmando ao mercado a sua intenção de ser um investidor envolvido e ativista, quando, na verdade, não está equipado para o ser. E há também aqueles investidores que se afastam taxativamente do setor, guiados por uma visão maniqueísta ou moralista. É outra forma de pensar com horizontes curtos.

Escasseiam aqueles que capturam a granularidade, as nuances e as oportunidades.

A carta da gestor Engine No.1, de 7 de dezembro de 2020, endereçada ao board da ExxonMobil é um compêndio sobre as razões, as condições e os métodos para que um investidor sustentável invista nos Hermógenes, nos Iagos, nos Bacos e em todos os outros vilões da indústria.

A transmutação de empresas de tabaco, mineração e petróleo requererá capital de investidores alinhados, muita inteligência técnica e apoio público. Virar as costas, não é um gesto sustentável.

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