Rodrigo Tavares

Professor catedrático convidado na NOVA School of Business and Economics, em Portugal. Nomeado Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial, em 2017

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Rodrigo Tavares

A transição energética tem que ser justa

Sem integrar preocupações sociais, descarbonização da economia poderá levar a exclusões

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Em 2022, Portugal, Coreia do Sul, Costa Rica, Colômbia, França ou Brasil terão eleições para a chefia de governo e/ou de Estado. Em todos estes sufrágios, seja por conveniência ou por convicção, despontará o tema da transição energética –a passagem de uma matriz energética focada nos combustíveis fósseis para uma de baixo carbono, baseada em fontes renováveis.

Sem espanto, a discussão será marcada por dois grupos. No primeiro participam todos aqueles que acham que a descarbonização é o grande desígnio nacional e deve ser acelerada para enfrentar as alterações climáticas, o nosso maior desafio civilizacional. A prioridade exclusiva deve ser dada a ações de mitigação e adaptação a esta crise ambiental.

Os integrantes do segundo grupo são céticos por natureza. Rejeitam qualquer responsabilidade humana, alegando que as alterações climáticas são naturais e cíclicas.

A leitura do segundo é errada, enquanto a do primeiro é parcial.

Foto mostra chaminés de fábricas liberando grandes nuvens de fumaça e gases no céu cinza
Chaminés de fábricas liberando grandes nuvens de fumaça e gases no céu cinza - Chris LeBoutillier/Unsplash

O debate eleitoral e os compromissos das empresas, deveriam residir, alternativamente, no objetivo da transição justa. A descarbonização do planeta e a transformação das nossas economias deve que ser concretizada tendo em consideração os efeitos laborais e sociais da transição. Ninguém pode ficar para trás.

Em um país como o Brasil abundante em bifurcações étnicas, encastelamentos econômicos e monopólios regionais, a descarbonização da economia pode levar à aceleração destas clivagens ou, se for feita de forma sistêmica e justa, à sua gradual atenuação.

A transição justa é mencionada no Acordo de Paris e está integrada ao cardápio orçamentário da União Europeia. Na Cúpula do Clima da ONU em 2019, meia centena de países se comprometeram a apoiá-la. Mas o imperativo ainda não faz parte da narrativa das empresas ou é uma prioridade política a nível nacional.

Em Portugal, o programa eleitoral do Partido Socialista, atualmente no poder e colocado em primeiro lugar nas pesquisas de opinião, não menciona a transição energética justa uma única vez. O enfoque está na redução das emissões de GEE e no aumento do peso das energias renováveis na produção de eletricidade. Com eleições a 30 de janeiro, os portugueses já puderam assistir à espantosa soma de 32 debates na TV entre os vários líderes partidários sem que o tema das alterações climáticas fosse elevado a prioridade nacional.

No Brasil, as maiores empresas, como a Petrobras, Vale ou Ambev, já assumiram compromissos com a agenda do clima e com o Acordo de Paris. Mas a transição justa ainda é negligenciada.

As maiores empresas internacionais de petróleo –BP, Chevron, ExxonMobil e Shell–, que serão severamente afetadas pela transição energética, viram sua capitalização combinada encolher 40%, de US$ 980 bilhões (R$ 5,4 tri) para US$ 570 bilhões (R$ 3,1 tri), na última década. Por outro lado, as empresas de energia que se adaptaram a uma transição justa, como a Enel, Iberdrola, ou a NextEra valorizaram-se em 200% no mesmo período (dados da McKinsey). Como exemplo, a Enel defende em um manifesto disponível no seu site que a mudança de paradigma de todo o sistema energético tem que ser inclusiva.

Para que a descarbonização seja viável, políticas públicas e corporativas não podem ser só guiadas por dióxido de carbono, metano, óxido nitroso e hexafluoreto de enxofre –o quadrunvirato dos gases de efeitos de estufa. Pautas correlatas como a capacitação de mão de obra, educação, geração de emprego, inclusão social, democratização do acesso à tecnologia ou reconversão industrial devem ser igualmente priorizadas.

Se os efeitos adversos das alterações climáticas extravasam a arena ambiental, também a sustentabilidade ambiental sem inclusão social ou justiça econômica se torna insustentável. Uma visão sectária da descarbonização levará ao aumento da desigualdade social, à desesperança de trabalhadores, à queda na produtividade e a eventuais distúrbios laborais e civis. Afetará a competitividade das empresas.

Estudos da OCDE, ONU e OIT enfatizam a viabilidade da transição justa, com
um ganho econômico direto de US$ 26 trilhões (R$ 143,5) até 2030 e um ganho líquido de 24 milhões de empregos até 2030. Uma transição justa pode ser um forno de oportunidades sociais e econômicas, servindo de motor de crescimento, gerando empregos verdes decentes e reduzindo a pobreza.

No Brasil, com cada vez mais frequência veremos políticos e empresas adotar o conceito de transição justa. Mas a formulação de programas eleitorais e corporativos deve incluir a contribuição daqueles que correm o risco de ser afetados adversamente pela descarbonização. Na década de 80 o ativista americano Benjamin Chavis cunhou o termo "racismo ambiental" para se referir também à discriminação racial na elaboração de políticas ambientais. A maioria das vítimas de Brumadinho e Mariana era negra. A maioria dos brasileiros afetados pela descarbonização poderá ser negra.

Não podemos excluir ninguém da formulação de soluções para a inclusão.

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