Rodrigo Tavares

Professor catedrático convidado na NOVA School of Business and Economics, em Portugal. Nomeado Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial, em 2017

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Rodrigo Tavares
Descrição de chapéu sustentabilidade

Após dois anos de bolha ESG no Brasil, quais são os resultados?

Faltou senso crítico e sobrou euforia, mas há razões para otimismo

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Quando terminou, o sentimento dos participantes era unânime: foi o melhor evento sobre ESG já organizado no Brasil. Com dezenas de especialistas nacionais e internacionais de relevo, a Converge Capital Conference, realizada em fevereiro de 2020 no Rio de Janeiro, marcou o início da atividade sísmica em torno de ESG.

Nos dois anos que se seguiram, possivelmente nenhum outro país testemunhou tanta atividade pública —eventos temáticos, anúncios corporativos, cobertura da imprensa— sobre este tema. O Brasil não era neófito em sustentabilidade corporativa. As primeiras iniciativas datam da década de 1980. Mas a erupção da agenda ESG, com a respetiva nacionalização da pauta, é muito recente.

 Extração de borracha na comunidade Curralinho (Acre), que faz parte da cadeia de fornecedores da Vert, fabricante franco-brasileira de tênis
Extração de borracha na comunidade Curralinho (Acre), para fabricante de tênis - Ludovic Careme/Divulgação

Em 2022 a euforia terminou. Fabio Alperowitch, da Fama Investimentos, um dos principais embaixadores dos temas ESG, registrou, no ano passado, 128 eventos dedicados a sustentabilidade ou ética. Mas, em 2022, esse volume caiu cerca de 80%.

"Estamos em clima de fim de festa. Uma das consequências positivas é que o debate em torno da sustentabilidade foi desinterditado. No mercado financeiro, deixou de ser visto com escárnio ou de forma ideológica. Mas temos que fazer uma avaliação de resultados," afirma o gestor.

Primeiro faz e depois celebra ou primeiro celebra e depois faz? O Brasil optou pelo segundo caminho. Chegaram primeiro as promessas, depois os anúncios, seguidos imediatamente das comemorações. A imprensa noticiou. Com destaque, muito, desmesurado. E criou-se uma bolha ESG, uma visão distorcida entre discurso e prática.

Quatro gestores de patrimônio contatados pela coluna salientaram que o interesse de clientes brasileiros por portfólios geridos segundo uma ótica ESG não cresceu. "O interesse era inexistente e continua limitado," disse um deles, a partir de Londres.

As gestoras brasileiras continuam evitando integrar dados, práticas e políticas ESG de forma sistemática e sistêmica na gestão de ativos e concentram as suas atividades no lançamento de produtos. E mesmo esses começam a ser menos comuns em 2022.

Nos últimos dois anos, apenas uma mão-cheia de gestoras, entre as cerca de 650 que operam no mercado brasileiro, tem feito um trabalho laudatório em finanças sustentáveis.

Fundos de pensão —os instigadores da agenda ESG em países como o Canadá, Reino Unido, Holanda ou Japão—, apesar dos compromissos públicos e das sinalizações informais de interesse, continuam, no Brasil, sem transpor os seus caudais para a sustentabilidade.

Os bancos têm sido irrequietos e feito vários anúncios de novas linhas de crédito com pendor ESG. Mas este tipo de empréstimos povoa apenas uma pequena parcela da carteira.

"O ESG cresceu no Brasil debaixo da expectativa de que o fluxo de capital do exterior para esses produtos iria ser expressivo. Mas esse fluxo não chegou. Nem o Brasil está interessado em ESG nem investidores ESG estão interessados no Brasil," afirma Alperowitch.

Em 2021, o ciclo de alta das commodities, como soja, açúcar, carnes, minério de ferro ou cobre, atiçaram o tradicionalismo das gestoras e das empresas. Se é possível ganhar dinheiro sem sustentabilidade, por que arriscar? Além disso, o Brasil está passando por uma fase de deterioração da conjuntura política, econômica e fiscal. Novamente, por que arriscar?

Há, contudo, muitas empresas que têm olhado para a sustentabilidade não como um atrevido desvio, mas como uma oportunidade de maximizar valor. A Natura deixou de ser uma ilha num oceano de insustentáveis.

São cada vez mais as corporações brasileiras que adotam práticas de sustentabilidade na sua cultura, nas suas operações, na sua estratégia. A carteira do ISE (Índice de Sustentabilidade Empresarial) tem dezenas de empresas. Na do DJSI World estão nove companhias brasileiras. Fora dos índices, são muitas mais.

Ainda falta fazer quase tudo para incentivar PMEs, que correspondem a 99% do tecido empresarial brasileiro, a serem mais sustentáveis. Mas organizações como a Fecomercio estão atentas ao problema e discutem internamente como enfrentá-lo.

Nestes dois anos, um dos destaques foi a emissão de títulos de dívida ESG. Segundo a consultoria Sitawi, foram 109 operações deste tipo, totalizando R$ 84,5 bilhões. Em 2020 foram 43 operações somando R$ 30 bilhões (R$ 147,6 bilhões).

Em nível global, em 2021, este mercado atingiu o US$ 1,6 trilhão, ou US$ 763 bilhões em 2020 (R$ 7,87 trilhões e R$ 3,8 trilhões, respectivamente). Só "green bonds" (títulos verdes) foram US$ 620 bilhões (R$ 3 trilhões) em 2021.

Outro destaque foi o lançamento pela Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) de pré-requisitos para fundos sustentáveis e fundos que integram aspectos ESG em sua gestão. Foi um dos primeiros reguladores do mundo a fazê-lo. Essas orientações são o melhor antibiótico contra o "greenwashing" (apropriação de virtudes ambientalistas por parte de organizações ou pessoas).

Mas falta ainda investir de forma corpulenta em educação. Nestes dois anos, germinaram vários cursos executivos de alguns dias em sustentabilidade corporativa ou finanças sustentáveis, mas as escolas de negócio brasileiras ainda não têm uma oferta curricular alargada sobre estes temas. Em contraste, Wharton tem 27 disciplinas eletivas no MBA dedicadas à sustentabilidade. O INSEAD, 10; a Nova SBE, 30.

A falta de informação é um freio ao crescimento do mercado ESG no Brasil.

Ainda é comum pensar que investir segundo uma lógica ESG significa apenas investir para gerar impacto positivo na sociedade ou no meio ambiente. Ou significa investir apenas em empresas com boas credenciais ESG.

Atualmente, o meu foco de pesquisa na universidade está em demonstrar matematicamente que, na verdade, a canalização de capital para empresas topo de gama ESG significa sacrificar oportunidades de rentabilidade.

A falta de conhecimento não é uma marca exclusivamente brasileira. Em 2021, uma pesquisa global do Natixis indicou que 41% dos investidores não aportam capital em fundos ESG "por que não têm domínio do tema".

Enquanto no Brasil o sentimento é de fim festa, na Europa, nos EUA e em países do Golfo o sentimento é que a festa está apenas no começo. Riscos climáticos são cada vez mais um fator decisivo na tomada de decisões corporativas, e a legislação europeia e americana em ESG é cada vez mais apertada.

Ademais, dados ESG, produtos com rótulos em sustentabilidade, normas técnicas para produtos sustentáveis e rastreabilidade deverão tornar-se onipresentes. E o trabalho do ISSB (International Sustainability Standards Board) levará à fusão de dados contábeis e dados em sustentabilidade.

As informações mais recentes do Annual ESG Manager Survey mostram que 100% das gestoras britânicas, 97% das europeias (com exclusão do Reino Unido) e 95% das canadenses e australianas já integram dados ESG de forma explícita em práticas de investimento.

O meu otimismo relativamente ao Brasil também reemerge. A partir de janeiro de 2023, os novos residentes do Alvorada e do Jaburu tirarão o Brasil da prisão da sustentabilidade, um novo fluxo de capital chegará ao Brasil à medida que se vão fechando as torneiras para o mercado de capitais russo, e o fim da euforia ESG é mais propícia à estabilidade e ao profissionalismo.

Mas não será um caminho sem desafios. "Passados dois anos do boom e euforia da agenda ESG no Brasil, está na hora do ecossistema ter as conversas difíceis sobre as ações e investimentos realmente necessários para termos avanços efetivos em desenvolvimento social e transição verde", disse à coluna Marina Cançado, a idealizadora da Converge Capital Conference.

Haverá interessados em participar dessas conversas?

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