Rodrigo Tavares

Professor catedrático convidado na NOVA School of Business and Economics, em Portugal. Nomeado Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial, em 2017

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Rodrigo Tavares
Descrição de chapéu sustentabilidade

Próximo presidente deve valorizar Ministério do Meio Ambiente preparando sua extinção

Vários países transformaram pasta para evitar interpretação redutora sobre temas ambientais

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Os ministérios do meio ambiente são invenções recentes da atividade governativa. O do Brasil data de 1992. O de Portugal nasceu em 1990, enquanto o da França é de 1971.

Subjacente à fundação, encontrava-se uma visão limitada e protecionista do meio ambiente. O objetivo destes departamentos governativos era a "preservação, conservação e utilização sustentável de ecossistemas, biodiversidade e florestas", ou seja, os ministérios serviam para formular políticas públicas defensivas que ajudassem a proteger um patrimônio público de uso coletivo.

Eventualmente, estes ministérios poderiam também ocupar-se da definição de estratégias para melhorar a "qualidade ambiental e o uso sustentável dos recursos naturais", mas a missão continuava a ser restrita. O meio ambiente era apenas associável a ecossistemas naturais ou a unidades ecológicas nacionais ou locais.

Fachada do bloco B, na Esplanada dos Ministérios, que integra o MMA (Ministério do Meio Ambiente) - Roque de Sá/Agência Senado

Estes conceitos ficaram caducos com o tempo. O meio ambiente passou a estar integrado ao conceito mais amplo de sustentabilidade, que engloba também temas sociais e econômicos. É uma formulação sistêmica, planetária, onipotente. A preservação ambiental, a justiça social e a valorização das atividades econômicas estão umbilicalmente conectadas, são interdependentes.

Por isso, na última década, estes ministérios foram passando por uma reengenharia orgânica, à medida que o glossário do meio ambiente foi engordando.

Na França passou a chamar-se "Ministério da Transição Ecológica", para reforçar a ideia de mudança sistêmica. Em Portugal foi rebatizado "Ministério do Ambiente e da Ação Climática" para enfatizar o caráter multidisciplinar das ações de enfrentamento ao aquecimento do planeta. Tendência gêmea é visível no Canadá, Emirados Árabes Unidos, Noruega ou Índia. Singapura, por outro lado, chamou ao seu ministério "da Sustentabilidade e do Ambiente".

Mas o Brasil ficou estacionado na década de 1990. Anos após a ONU introduzir o conceito de desenvolvimento sustentável e a Eco-92 no Rio o acolher como um princípio orientador de políticas públicas, o governo Itamar rebatizou o ministério do meio ambiente como "do Meio Ambiente e da Amazônia Legal", particularizando ainda mais o seu campo de ações e contrariando o rumo internacional que começava a despontar.

Ainda que, posteriormente, o nome tenha voltado ao original, a visão de antolho mantém-se. Em 2022, a apresentação institucional do Ministério do Meio Ambiente no seu site oficial remete-nos para um mundo de videocassetes e internet discada.

No futuro, a transformação do Ministério do Meio Ambiente deveria pressupor não só a mudança do nome, por exemplo para "Sustentabilidade e Alterações Climáticas", mas uma reorganização e amplificação do seu escopo de atuação.

O recente conceito de "Novo Bauhaus Europeu", apresentado o ano passado pela Comissão Europeia, pode servir de inspiração. Para dar vida ao Pacto Ecológico Europeu –um vasto conjunto de iniciativas bilionárias para que a Europa se torne o primeiro continente neutro do ponto de vista climático até 2050– a União Europeia está a mobilizar a sociedade civil, de cientistas a artistas, para "reinventarem um modo de vida sustentável". A sustentabilidade deixa de ser ecológica no sentido mais tradicional e literal e passa a abarcar todas as dimensões das nossas vidas, desde a mobilidade urbana à cultura.

Achar que o Ministério do Meio Ambiente do Brasil deve servir para cuidar da Amazônia e defender o patrimônio natural é muito pouco. A sua atuação deveria ter maior lastro, contribuindo para o desenho de políticas públicas em economia ("descarbonização das atividades econômicas"), de habitação ("inclusiva, resiliente e eficiente"), de energia ("renovável"), agrícolas ("agricultura regenerativa"), de finanças ("critérios ESG em investimentos e na banca, além de mercado de carbono") ou de transportes ("de baixo carbono"). E também de cultura, de justiça social, de saúde, de educação ou relações externas. Deveria ser um ministério tanto com vocação externa quanto interna; mais horizontal do que vertical.

A tendência para incluir o tema da sustentabilidade em todos os ministérios está emergindo na Europa e deve ser amplificada nos próximos anos. Há alguns meses, a Alemanha redesenhou o seu tradicional ministério da economia em "Ministério da Economia e Ação Climática", resgatando a visão sistêmica do conceito de sustentabilidade. Além disso, de forma inovadora, todos os outros ministérios são agora obrigados a fazer um "climate check" em todas as propostas políticas e legislativas para atestar se estão alinhadas com as metas nacionais de desenvolvimento sustentável e alterações climáticas. A sustentabilidade passou a ser o porteiro das atividades governativas.

Nas próximas décadas os ministérios do meio ambiente deverão gradualmente desaparecer porque a sustentabilidade passará a ser um pilar central de todas as políticas de todos os ministérios. Tal como foram desaparecendo na Europa os ministérios das reformas administrativas ou da transição digital. A visão original dos ministérios do meio ambiente –da proteção dos ecossistemas naturais– deverá ser engolida por qualquer outro ministério ou ser centralizada em alguma ilha governativa.

Apesar de o Brasil ser um eminente ator internacional na área do meio ambiente, ainda não está política e institucionalmente preparado para o modelo alemão de integração de critérios de sustentabilidade em todas as suas atividades governativas. Semearia disputas internas, levaria à paralisia de decisões e agudizaria a ideologização da pauta ambiental, já presente no tecido corporativo e político brasileiro.

Mas as dificuldades em nos aproximarmos do futuro não nos deveriam impedir de nos afastarmos do passado. Se ainda não for possível eliminar o Ministério do Meio Ambiente, é certamente viável modernizá-lo.

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