"É o fim do mercado ESG?", perguntou-me um aluno esta semana. As críticas enfáticas de Elon Musk aos ratings ESG, as buscas policiais a uma unidade do Deutsche Bank por suspeita de greenwashing, as críticas dos influentes senadores americanos Marco Rubio e Mitt Romney à excessiva moralização do mercado corporativo, a autorização do gigante sueco SEB (conhecido por ser um líder em sustentabilidade) para que seus fundos invistam em empresas do setor militar, ou o negacionismo do responsável global por investimentos responsáveis do HSBC, levaram a que muitas pessoas fizessem a mesma pergunta do meu aluno.
A agenda ESG nunca foi consensual, sempre houve quem lançasse dúvidas sobre a viabilidade financeira da sustentabilidade, mas também nunca esta pauta foi tão criticada publicamente como tem acontecido nas últimas semanas.
Muitas destas críticas revelam desconhecimento do que é a sustentabilidade corporativa ou as finanças sustentáveis. Outras mascaram interesses corporativos ou individuais. Mas é preciso reconhecer que, na essência, muitas delas são procedentes.
O mercado ESG espichou em ritmo adolescente nos últimos anos. Mas a evolução exponencial do volume de ativos sob gestão que aplicam lentes ambientais, sociais e de governança, a quase universalização das gestoras e bancos que adotam práticas em sustentabilidade, ou a inusitada pressão da mídia, foram alicerçadas em bases muito frágeis.
ESG, a maior inovação do capitalismo do último século, cresceu de forma desorganizada, sem planejamento estruturado, regulamentação adequada ou infraestrutura de serviços de apoio. Para que o mercado ESG se torne mais resiliente, várias iniciativas devem ser concretizadas.
É preciso regular as agências de rating ESG. O mercado ESG assenta, em larga medida, na capacidade das gestoras e bancos de integrarem dados par a medirem, com mais precisão, os riscos aos quais seus portfólios estão expostos.
Algumas gestoras também estão interessadas em mensurar o impacto (positivo ou negativo) dos seus investimentos. Dados qualitativos e quantitativos são a corrente sanguínea do mercado da sustentabilidade. Quem fornece estes dados? Mais de 100 agências de rating que operam num regime desregulado e pouco transparente. Abundam as críticas à metodologia destas agências e às suas análises de materialidade, refletidas na baixa correlação entre as notas finais.
Organizações como a Iosco (Organização Internacional de Valores Mobiliários) e os reguladores americano, francês e holandês têm alertado para as limitações dessas agências. Algumas delas chegam a oferecer serviços de consultoria e de dados concomitantemente, uma prática vista como irregular e há muito tempo banida, por exemplo, no tradicional mercado de auditoria.
A tendência é para que, em alguns anos, haja apenas quatro ou cinco destas agências. S&P, Moody's, e Fitch deverão comprar as agências de avaliação de risco ESG e incorporá-las nos seus próprios ratings de crédito. Paralelamente, sobreviverão algumas agências que mensuram o impacto dos produtos e serviços das empresas. Mas os reguladores nacionais e internacionais deverão também estender as suas ações a este mercado. E rapidamente.
O que é um fundo ESG? Ninguém sabe. Há produtos financeiros criados para se alinharem a valores morais (não investindo, por exemplo, em empresas de armamento ou tabaco) ou para intencionalmente gerarem impacto social ou ambiental positivo. Mas, na sua maioria, os fundos integram práticas, dados e políticas ESG com objetivo de identificar novos riscos financeiros e destravar oportunidades de geração de valor. Esta divisão tripartida não é, contudo, consensual ou empedernida. Há espaço para flexibilidade. E é desta flexibilidade que brota o greenwashing e a impunidade.
Por isso, é fundamental que os reguladores adotem critérios legais para determinar o que é um fundo ESG. Temos que ir muito além dos guias de boas práticas.
A Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), no final do ano passado, foi a primeira, em nível mundial, a dar um passo nesta direção com a aplicação de pré-requisitos para um fundo ser considerado "sustentável" ou que "integre questões ESG".
No Reino Unido, EUA e Emirados Árabes os reguladores preparam medidas semelhantes. Mas precisamos de acelerar o passo e de contar com liderança global neste quesito. O mercado tem a doença diagnosticada, sabe que medicamentos prescrever, mas tem hesitado no tratamento.
Finalmente, temos que uniformizar o reporte das empresas. Quando uma corporação brasileira (ou de mais de 140 países) reporta os seus dados financeiros, utiliza apenas um modelo universal –IFRS. Mas o reporte do trabalho dessa mesma empresa na área da sustentabilidade pode assentar em mais de 30 padrões diferentes, tão complementares quanto conflitantes. Esta multiplicidade afeta a qualidade dos dados e a comparabilidade entre as empresas. Ademais, quando os relatórios de sustentabilidade não são auditados, é um terreno fértil para o greenwashing.
Felizmente, muitos destes padrões estão em processo acelerado de fusão e, nos próximos anos, as empresas deverão passar a usar a norma global de divulgação que está sendo desenvolvida pelo ISSB (International Sustainability Standards Board), anunciado na COP26 em 2021.
Nenhum desses problemas ou soluções tenta endereçar algum problema conceitual relativamente à viabilidade financeira ou à relevância moral das finanças sustentáveis ou da sustentabilidade corporativa. Na sua gênese, o ESG continua sendo um instrumento essencial de geração de valor financeiro, social e ambiental. Mas o ecossistema que permite o seu crescimento precisa de ser escorado. É nessa frente que deveremos concentrar a nossa atenção nos próximos anos.
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