Rodrigo Tavares

Professor catedrático convidado na NOVA School of Business and Economics, em Portugal. Nomeado Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial, em 2017

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Rodrigo Tavares
Descrição de chapéu Folha ESG sustentabilidade

Três propostas para o futuro de um ESG que está doente

Nunca o ESG foi tão condenado publicamente, mas as soluções são conhecidas e já estão em desenvolvimento

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

"É o fim do mercado ESG?", perguntou-me um aluno esta semana. As críticas enfáticas de Elon Musk aos ratings ESG, as buscas policiais a uma unidade do Deutsche Bank por suspeita de greenwashing, as críticas dos influentes senadores americanos Marco Rubio e Mitt Romney à excessiva moralização do mercado corporativo, a autorização do gigante sueco SEB (conhecido por ser um líder em sustentabilidade) para que seus fundos invistam em empresas do setor militar, ou o negacionismo do responsável global por investimentos responsáveis do HSBC, levaram a que muitas pessoas fizessem a mesma pergunta do meu aluno.

A agenda ESG nunca foi consensual, sempre houve quem lançasse dúvidas sobre a viabilidade financeira da sustentabilidade, mas também nunca esta pauta foi tão criticada publicamente como tem acontecido nas últimas semanas.

Muitas destas críticas revelam desconhecimento do que é a sustentabilidade corporativa ou as finanças sustentáveis. Outras mascaram interesses corporativos ou individuais. Mas é preciso reconhecer que, na essência, muitas delas são procedentes.

Manifestante segura cartaz em protesto durante encontro dos ministros de meio ambiente do G20, que aconteceu em julho de 2021, em Nápoles, sul da Itália - Guglielmo Mangiapane/Reuters

O mercado ESG espichou em ritmo adolescente nos últimos anos. Mas a evolução exponencial do volume de ativos sob gestão que aplicam lentes ambientais, sociais e de governança, a quase universalização das gestoras e bancos que adotam práticas em sustentabilidade, ou a inusitada pressão da mídia, foram alicerçadas em bases muito frágeis.

ESG, a maior inovação do capitalismo do último século, cresceu de forma desorganizada, sem planejamento estruturado, regulamentação adequada ou infraestrutura de serviços de apoio. Para que o mercado ESG se torne mais resiliente, várias iniciativas devem ser concretizadas.

É preciso regular as agências de rating ESG. O mercado ESG assenta, em larga medida, na capacidade das gestoras e bancos de integrarem dados par a medirem, com mais precisão, os riscos aos quais seus portfólios estão expostos.

Algumas gestoras também estão interessadas em mensurar o impacto (positivo ou negativo) dos seus investimentos. Dados qualitativos e quantitativos são a corrente sanguínea do mercado da sustentabilidade. Quem fornece estes dados? Mais de 100 agências de rating que operam num regime desregulado e pouco transparente. Abundam as críticas à metodologia destas agências e às suas análises de materialidade, refletidas na baixa correlação entre as notas finais.

Organizações como a Iosco (Organização Internacional de Valores Mobiliários) e os reguladores americano, francês e holandês têm alertado para as limitações dessas agências. Algumas delas chegam a oferecer serviços de consultoria e de dados concomitantemente, uma prática vista como irregular e há muito tempo banida, por exemplo, no tradicional mercado de auditoria.

A tendência é para que, em alguns anos, haja apenas quatro ou cinco destas agências. S&P, Moody's, e Fitch deverão comprar as agências de avaliação de risco ESG e incorporá-las nos seus próprios ratings de crédito. Paralelamente, sobreviverão algumas agências que mensuram o impacto dos produtos e serviços das empresas. Mas os reguladores nacionais e internacionais deverão também estender as suas ações a este mercado. E rapidamente.

O que é um fundo ESG? Ninguém sabe. Há produtos financeiros criados para se alinharem a valores morais (não investindo, por exemplo, em empresas de armamento ou tabaco) ou para intencionalmente gerarem impacto social ou ambiental positivo. Mas, na sua maioria, os fundos integram práticas, dados e políticas ESG com objetivo de identificar novos riscos financeiros e destravar oportunidades de geração de valor. Esta divisão tripartida não é, contudo, consensual ou empedernida. Há espaço para flexibilidade. E é desta flexibilidade que brota o greenwashing e a impunidade.

Por isso, é fundamental que os reguladores adotem critérios legais para determinar o que é um fundo ESG. Temos que ir muito além dos guias de boas práticas.

A Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), no final do ano passado, foi a primeira, em nível mundial, a dar um passo nesta direção com a aplicação de pré-requisitos para um fundo ser considerado "sustentável" ou que "integre questões ESG".

No Reino Unido, EUA e Emirados Árabes os reguladores preparam medidas semelhantes. Mas precisamos de acelerar o passo e de contar com liderança global neste quesito. O mercado tem a doença diagnosticada, sabe que medicamentos prescrever, mas tem hesitado no tratamento.

Finalmente, temos que uniformizar o reporte das empresas. Quando uma corporação brasileira (ou de mais de 140 países) reporta os seus dados financeiros, utiliza apenas um modelo universal –IFRS. Mas o reporte do trabalho dessa mesma empresa na área da sustentabilidade pode assentar em mais de 30 padrões diferentes, tão complementares quanto conflitantes. Esta multiplicidade afeta a qualidade dos dados e a comparabilidade entre as empresas. Ademais, quando os relatórios de sustentabilidade não são auditados, é um terreno fértil para o greenwashing.

Felizmente, muitos destes padrões estão em processo acelerado de fusão e, nos próximos anos, as empresas deverão passar a usar a norma global de divulgação que está sendo desenvolvida pelo ISSB (International Sustainability Standards Board), anunciado na COP26 em 2021.

Nenhum desses problemas ou soluções tenta endereçar algum problema conceitual relativamente à viabilidade financeira ou à relevância moral das finanças sustentáveis ou da sustentabilidade corporativa. Na sua gênese, o ESG continua sendo um instrumento essencial de geração de valor financeiro, social e ambiental. Mas o ecossistema que permite o seu crescimento precisa de ser escorado. É nessa frente que deveremos concentrar a nossa atenção nos próximos anos.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.